Sobre a consistência teórico-categorial de «Dialética da dependência», de Ruy Mauro Marini

Seiji Seron Miyakawa*

RESUMO

O presente artigo versa sobre a consistência entre as categorias de Dialética da dependência, de Ruy Mauro Marini, e a teoria do valor de Marx. Argumentar-se-á que: i) as análises das transferências internacionais de valor precisam abarcar as diferenças de produtividade e de composição orgânica entre capitais individuais, pois a produtividade dos países dependentes pode ser maior que a dos centrais em ramos cujos produtos compõem a pauta exportadora do país dependente; ii) seria preferível que a definição de superexploração enfocasse mais o nexo entre a maior exploração física dos trabalhadores dos países dependentes e a menor incidência do progresso técnico nas economias de tais países, e não tanto relação quantitativa entre os salários o valor “normal” da força de trabalho dos trabalhadores destes mesmos países; e iii) a crescente diversidade e complexidade das formações econômico-sociais cuja posição internacional não é tipicamente central nem periférica seria melhor captada por meio de uma categoria que não atribua a estas formações um caráter “imperialista”, ainda que atenuado pelo prefixo “sub”, e que não se defina a partir de características específicas do Brasil dos militares. A teoria da dependência se torna mais rigorosa e se desembaraça de modo mais explicito das teorias tradicionais acerca do subdesenvolvimento quando as leis particulares do capitalismo dependente são entendidas não como distintas das, e “complementares” às, leis gerais do modo de produção capitalista, e sim como as mesmas leis gerais sob o predomínio do momento negativamente determinado da dialética. O artigo tenciona seguir o exemplo de Marini em relação ao respeito ao rigor teórico-metodológico da crítica da economia política.

Palavras-chave: Ruy Mauro Marini; Teoria Marxista da Dependência; troca desigual; superexploração; subimperialismo.

Resumen: El presente articulo trata de la consistencia entre las categorías de Dialéctica de la dependencia, de Ruy Mauro Marini, y la teoría del valor de Marx. Se argumentará que: i) las análisis de las transferencias internacionales de valor tienen que abarcar las diferencias de productividad y de composición orgánica entre capitales individuales, pues la productividad de los países dependientes puede ser mayor que la de los centrales en ramas cuyos productos componen la pauta exportadora del país dependiente; ii) sería preferible que la definición de la superexplotación enfocara más el nexo entre la mayor explotación física de los trabajadores de los países dependientes y la menor incidencia del progreso técnico en las economías de dichos países, y no tanto la relación cuantitativa entre los salarios y el valor “normal” de la fuerza de trabajo de estos mismos trabajadores; y iii) la creciente diversidad y complejidad de las formaciones económico-sociales cuya posición internacional no es típicamente central ni periférica sería mejor captada por medio de una categoría que no atribuya a estas formaciones un carácter “imperialista”, aunque atenuado por el prefijo “sub”, y que no se defina por las características especificas del Brasil de los militares. La teoría de la dependencia se torna más rigorosa y se desenreda de modo más explícito de las teorías tradicionales respecto al subdesarrollo cuando las leyes particulares del capitalismo dependiente son entendidas no como distintas de, y “complementares” a, las leyes generales del modo de producción capitalista, y si como las mismas leyes generales bajo el predominio del momento negativamente determinado de la dialéctica. El artigo intenta seguir el ejemplo de Marini con relación al respecto al rigor teórico-metodológico de la crítica de la economía política.

Palabras-clave: Ruy Mauro Marini; Teoría Marxista de la Dependencia; intercambio desigual; superexplotación; subimperialismo.

Abstract: The present article regards the consistency between the theoretical categories of Ruy Mauro Marini’s Dialectics of Dependency and Marx’s value theory, arguing that: i) analyses of international transfers of value must take into account differences of productivity and organic composition between individual capitals, since the productivity of dependent countries can be higher than that of core countries in branches whose products are part of the dependent country’s export basket; ii) it would be preferable that the definition superexploitation focused more in the greater physical exploitation of workers in dependent countries and the lower incidence of technical progress in the economies of said countries, and not so much on the quantitative relation between the wages and the “normal” value of the labor power of these same workers; and iii) the growing diversity and complexity of social-economic formations which are not positioned internationally in a typical core or peripheral fashion would be better comprehended by means of a category that didn’t attribute an “imperialist” character, although attenuated by the addition of the prefix “sub”, to such formations and that was not defined by specific characteristics of Brazil’s military period. Dependency theory becomes more rigorous and untangles itself more explicitly from traditional theories about underdevelopment when the particular laws of dependent capitalist are understood not as distinct from, and “complementary” to, the general laws of the capitalist mode of production, but rather as these same general laws, only under the predominance of the negatively determined moment of dialectics. The article intends to follow Marini’s example of respect to the theoretical and methodological rigor of the critique of political economy.

Keywords: Ruy Mauro Marini, Marxist Theory of Dependency, unequal exchange, superexploitation, subimperialism.


O presente artigo resulta, em parte, de um projeto de pesquisa executado sob orientação da profª. Drª. Mônica Landi, do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), projeto este que usufruiu de recursos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho de Ensino e Pesquisa (PIBIC-CEPE) da mesma Universidade. Tal projeto visava aferir quanto poder explicativo ainda possuem as teorias da dependência a partir da análise de dados do setor externo das três maiores economias latino-americanas: Brasil, México e Argentina. Porém, a revisão literária feita durante a pesquisa e a continuidade de nossos estudos após o encerramento formal do projeto nos permitiu identificar o que, até recentemente, considerávamos ser graves limites teórico-explicativos da Dialética da dependência, de Ruy Mauro Marini (2011a). Havíamos concluído que as categorias de Dialética…, quais sejam, a troca desigual, a superexploração e a cisão do ciclo do capital, não passavam de uma reinterpretação da deterioração dos termos de troca, da oferta ilimitada de mão de obra propiciada pela existência de largas áreas de economia de subsistência nos países subdesenvolvidos e dos efeitos do consumo de luxo sobre o processo de industrialização de tais países. Considerávamos, ademais, que Marini tinha sido malsucedido neste esforço de “tradução” marxista do pensamento desenvolvimentista clássico, criando categorias que são inconsistentes com a teoria do valor de Marx. (1)

Contudo, o debate promovido pelo Grupo de Trabalho 1 – Pensamento Social Latino-Americano do IV Congresso da Associação de Historiadores Latino-Americanos e do Caribe (Adhilac) – Brasil, em setembro de 2022, e o prosseguimento de nossas leituras sobre o tema, em particular, a do livro Teoria marxista da dependência: problemas e categorias – uma perspectiva histórica, de Mathias Seibel Luce (2018), convenceram-nos a matizar nossas críticas a Marini nesta oportunidade, expondo-as menos como motivos para uma rejeição dessa teoria cuja epítome é a Dialética… de Marini, e mais como problemas que podem e devem ser solucionados por meio do aperfeiçoamento dessa mesma teoria, conjuntamente à prossecução da crítica da economia política.

Troca desigual

A Dialética… esclarece que as exportações latino-americanas de alimentos e matérias-primas foram cruciais para que, nos países centrais, a acumulação do capital se assentasse sobre a produção mais-valia relativa, ou seja, sobre a incidência do progresso técnico na produção dos bens que compõe a cesta de consumo dos trabalhadores, de maneira a baratear tais bens e, por conseguinte, reduzir o valor real da força de trabalho. Essas exportações contribuíram tanto para possibilitar a estes países transferirem mão de obra do setor agrícola para a indústria quanto para contra-arrestar a queda tendencial da taxa de lucro, diminuindo seja o valor do capital constante, no caso das matérias-primas, seja o do capital variável, no caso dos alimentos. Porém, este papel desempenhado pela América Latina no processo de desenvolvimento dos países capitalistas centrais e do capitalismo mundial como um todo alicerçou a acumulação capitalista da própria América Latina na maior exploração física do trabalhador. A razão desta contradição seria a troca desigual, isto é, a transferência para os países centrais de parte do valor produzido pelos países dependentes, por efeito do comércio internacional (Marini, 2011a, 2011b).

Carcanholo (2013) identifica três mecanismos de troca desigual na Dialética…, embora dois destes mecanismos sejam arrolados por Marini como um só. Cada mecanismo situa-se em um nível de abstração da lei do valor. No nível mais abstrato, a troca desigual decorre de diferenças entre os valores individuais das mercadorias e o valor social, ou de mercado, destas mesmas mercadorias. Estas diferenças permitem aos capitais de maior produtividade se apropriarem de mais-valia extraordinária, ou seja, da diferença entre o valor individual e o valor social das mercadorias que produzem. Em um nível de abstração menor, apreende-se o fato de haver concorrência não somente entre capitais de um ramo ou setor econômico, mas entre ramos e setores diversos, o que acarreta a equalização das taxas setoriais de lucro e a consequente transformação dos valores em preços de produção. Logo, os preços das mercadorias serão superiores aos valores destas quando a composição orgânica dos capitais que as produziram for superior à prevalecente na economia, e vice-versa, de modo que a troca desigual é, neste plano, consequência da menor composição orgânica dos capitais dos países dependentes em comparação com os dos centrais. Já no nível mais concreto, admite-se ainda a discrepância entre preços de produção e de mercado. Como nota Marini (2011a), os países centrais exportam bens que os dependentes não são capazes de produzir ou, pelo menos, não com a mesma facilidade. Na medida em que a oferta mundial destes bens é monopolizada pelos países centrais, os preços efetivos de tais bens podem se manter prolongadamente acima dos seus respectivos preços de produção.

Presume-se, assim, que as transferências internacionais de valor acontecem entre países, não entre capitais. Em outras palavras, as economias nacionais são concebidas como se, na esfera do comércio internacional, a totalidade dos capitais de cada economia constituísse um único capital nacional, que compete com os capitais nacionais dos demais países, ou como se virtualmente todos os capitais dos países dependentes fossem dotados de menor produtividade e, ao mesmo tempo, de menor composição orgânica que os capitais dos países centrais. No entanto, é perfeitamente plausível que um capital individual ceda valor a outros, no plano intersetorial, por estar investido em um ramo no qual a composição orgânica do capital é baixa, mas também se aproprie de valor, no plano intrassetorial, por ser mais produtivo que a média dos capitais do ramo. Já outro capital pode ceder valor intrassetorialmente e se apropriar de valor intersetorialmente, por ser de baixa produtividade e alta composição orgânica, por exemplo. Aliás, os produtos exportados pelos países quer do centro, quer da periferia, tendem a ser os dos ramos em que tais países são mais produtivos, eficientes, competitivos. Por conseguinte, Anwar Shaikh assinala que os capitais individuais devem ser distinguidos, inclusive, na análise das transferências internacionais, e que a contemplação simultânea das transferências intrassetoriais e intersetoriais revela a possibilidade teórica de que a transferência líquida de valor da periferia para o centro seja muito pequena, nula ou até negativa, isto é, transcorra no sentido inverso ao que a teoria da troca desigual postula (Rodrigues, 2017; Shaikh, 1979, 1980).

Uma transferência líquida de valor do centro para a periferia representaria, evidentemente, um caso limítrofe. Todavia, a asserção de Shaikh não é que as transferências líquidas da periferia para o centro não existem, e sim que a existência destas transferências não é condição sine qua non para que haja o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, conforme a famosa fórmula de André Gunder Frank, citada favoravelmente tanto por Marini (2011a) quanto por Shaikh (1980). A fim de elucidar de maneira alternativa o subdesenvolvimento, Shaikh (1979, 1980) desmente a teoria das vantagens comparativas. A habitual exemplificação ricardiana desta teoria envolve dois países hipotéticos, Inglaterra e Portugal, que exportam dois produtos: panos e vinhos. Na Inglaterra, o custo de produção da unidade de pano equivale a 100 horas de trabalho, e o da unidade de vinho, a 120 horas; em Portugal, estes custos correspondem a 90 e 80 horas, respectivamente. A eficiência da economia portuguesa é maior em ambos os ramos e, portanto, as exportações deste país irão invadir o mercado interno inglês. Em contrapartida, haverá um fluxo monetário da Inglaterra para Portugal. A teoria supõe, contudo, que este fluxo provocará uma elevação do nível de preços de Portugal, diminuindo a competitividade das exportações portuguesas, e terá o efeito contrário sobre o nível de preços e a competitividade das exportações inglesas. Eventualmente, os panos ingleses se tornarão mais baratos que os portugueses, pois a produção inglesa de vinhos possui 2/3 da eficiência da portuguesa, mas a produção de panos possui 9/10, sempre segundo Shaikh. Ao final deste processo de ajuste, a Inglaterra será capaz de exportar panos para Portugal, o comércio entre os dois países se reequilibrará e disponibilidade de ambos os produtos será maior tanto em Portugal quanto na Inglaterra. O corolário por demais conhecido de tal teoria é que o livre comércio é mutuamente benéfico sempre, mesmo quando a produtividade de um país não supera a dos demais em nenhum ramo.

Shaikh, entretanto, ressalta que os níveis de preços dos dois países só se comportariam de modo a possibilitar à Inglaterra vender panos para Portugal se fosse verdadeira a teoria quantitativa da moeda (TQM). Ao contrário do que diz esta teoria, o aumento da quantidade de moeda em circulação não eleva inexoravelmente o nível de preços. De fato, o fluxo de moeda da Inglaterra para Portugal provocará um aumento do nível de preços deste país à medida que o aumento da renda do setor exportador português gerar um aumento da demanda doméstica da economia portuguesa como um todo. Porém, a elevação dos preços causada por este aumento da demanda também irá estimular a ampliação da oferta, de modo que a subida dos preços será rapidamente revertida. Ademais, nem toda a renda adicional do setor exportador português irá se transformar em gasto. Parte desta renda será poupada e, logo, haverá uma expansão da oferta de crédito, permitindo essa ampliação da produção motivada pela subida dos preços. Uma parcela dessa renda será, inclusive, emprestada para a Inglaterra, onde as taxas de juros terão se elevado por efeito do fluxo monetário para Portugal. Como o nível de preços deste país não subirá, os produtos ingleses continuarão sendo incapazes de competir com os portugueses e, consequentemente, a balança comercial inglesa será cronicamente deficitária. Em um primeiro momento, estes déficits serão financiados por Portugal, por meio da expansão creditícia suscitada pelos próprios superávits do comércio português com a Inglaterra. Porém, a dívida externa inglesa descreverá uma trajetória explosiva, já que a baixa competitividade das exportações da Inglaterra compromete a arrecadação de divisas do país.

Logo, o livre comércio não tende a diminuir, e sim a reproduzir e ampliar, as desigualdades entre os países.(2) Estes só poderão exportar ou aquilo que produzem mais competitiva e eficientemente que a maioria dos demais, ou artigos específicos de determinada localidade, que não podem ser produzidos em outro lugar, ou artigos cuja demanda global não possa ser suprida apenas pelos produtores mais eficientes. A preeminência das vantagens absolutas, e não das comparativas, sobre o comércio internacional implica ainda que o investimento estrangeiro direto (IED) dos países desenvolvidos nos subdesenvolvidos é atraído principalmente para os ramos exportadores das economias destes últimos, embora a emissão de IED de países desenvolvidos visando a produção para os mercados locais dos países subdesenvolvidos também ocorra, em especial, se o emprego de uma técnica produtiva mais avançada do que a vigente na economia receptora do investimento puder proporcionar uma alta rentabilidade. A “modernização a partir de fora”, por meio do IED, tende a sobrepujar, portanto, a “modernização a partir de dentro”, isto é, os intentos do capital doméstico dos países subdesenvolvidos de se tornar mais produtivo adquirindo tecnologia dos países desenvolvidos, pois tais intentos são recorrentemente frustrados pela concorrência com o capital estrangeiro, o custo e as inadequações de escala da tecnologia importada e a necessidade de mão de obra qualificada para o emprego dessa tecnologia (Shaikh, 1979, 1980).

Apesar de tanto o influxo de IED em si quanto a elevação da produtividade do setor exportador promovida pelo IED favorecerem a arrecadação de divisas do país de destino do investimento, parte das divisas arrecadadas deste modo refluem prontamente para o país de origem do investimento na forma de remessas de lucros e de importações de maquinário e insumos usados pelas firmas multinacionais que se instalaram nos países subdesenvolvidos por meio do IED. Por causa dos desníveis tecnológicos entre estas firmas e as firmas de capital doméstico dos países subdesenvolvidos, este capital é expulso para setores de pouco interesse do capital estrangeiro ou, então, para setores subsidiários àqueles em que atuam as multinacionais.(3) Neste processo, destrói-se mais empregos do que se cria. Por fim, a própria modernização do setor exportador dos países subdesenvolvidos deteriora, ironicamente, os termos de troca entre estes países e os desenvolvidos, ao reduzir os preços unitários dos gêneros de exportação dos subdesenvolvidos, sempre segundo Shaikh (1979, 1980). Em suma, não são poucas as semelhanças entre a análise dos efeitos do IED sobre as economias dos países subdesenvolvidos e dependentes feita por Shaikh, por um lado e as que se encontram, por exemplo, em Marini ([1979a]), Bambirra (2013) e dos Santos (1970), por outro.

Superexploração

As transferências de valor da periferia para o centro por meio do comércio internacional e das remessas de lucro das multinacionais, pagamentos de juros e amortização de empréstimos estrangeiros, pagamento de royalties, etc., tornam necessária à economia dependente um “mecanismo de compensação”: a superexploração (Carcanholo, 2013; Marini, 2011a). No post-scriptum à Dialética…, lê-se que a tese central desta última é que “o fundamento da dependência é a superexploração do trabalho.” (Marini, 2011b, p. 185) Carcanholo (2013), porém, adverte que mal-entendidos são frequentemente ocasionados pela maneira como a Dialética… define a superexploração, embaraçando a distinção entre a essência da categoria e as formas pelas quais a superexploração eleva a taxa de exploração, ou taxa de mais-valia, dos países dependentes: a intensificação do trabalho, o prolongamento da jornada e a compressão dos salários além do limite “normal”, de tal modo que “o fundo necessário de consumo do operário se converte de fato, dentro de certos limites, em um fundo de acumulação de capital” (Marx apud Marini, 2011a; p. 148). Obviamente, estes mecanismos de aumento da exploração não são exclusivos dos países dependentes. No entanto, a maneira como estes países se utilizam dos três mecanismos, combinadamente, a fim de compensar a cessão de mais-valia para o centro capitalista mundial gera, em tais países, uma remuneração dos trabalhadores a níveis que impossibilitam a reposição normal do desgaste da força de trabalho destes trabalhadores, ou seja, que não cobrem o valor da força de trabalho (Marini, 2011a). No post-scriptum, Marini é mais preciso ao enunciar que

[…] a superexploração é melhor definida pela maior exploração da força física do trabalhador, em contraposição à exploração resultante do aumento de sua produtividade, e tende normalmente a se expressar no fato de que a força de trabalho se remunera abaixo de seu valor real. (Marini, 2011b; p. 180 – itálicos nossos)

Uma objeção recorrente à categoria diz respeito à dificuldade de se determinar o parâmetro “normal” de exploração que, ao ser ultrapassado, justificaria a designação desta como uma super-exploração.

Se uma diminuição do salário para menos que o suposto valor em um determinado espaço econômico se prolonga no tempo, mais bem estaria indicando que o capital logrou ali impor um valor da força de trabalho mais baixo. Tratar-se-ia, então, de uma taxa de exploração maior, simplesmente, e não mais de superexploração. (Mercatante, 2021c; p. 26 (idêntico em Mercatante, 2021d; p. 35) – tradução nossa)

Entendemos, contudo, que o cerne da tese de Marini não é a relação quantitativa que a dependência estabelece entre os salários e o valor da força de trabalho, e sim a maneira como as distintas formas de subsunção das economias nacionais ao mercado mundial engendra também formas ou “regimes” de exploração da força de trabalho qualitativamente distintos em cada país. Por definição, as economias dependentes e subdesenvolvidas possuem uma produtividade média inferior à das economias desenvolvidas,(4) a despeito das grandes diferenças intersetoriais de produtividade que, segundo Shaikh, são típicas daquelas subdesenvolvidas, por causa da primazia das vantagens absolutas no comércio internacional. Na medida em que a elevação da produtividade das economias dependentes é estorvada pela dependência, os capitais destas economias são compelidos pelo mercado mundial a concorrer contra os das economias centrais elevando o grau de exploração física dos trabalhadores que tais capitais empregam, ou seja, obtendo por meio deste maior desgaste físico dos trabalhadores as mesmas benesses que, nos países centrais, são conseguidas por meio do progresso técnico (Carcanholo, 2013; Luce, 2018; Marini, 2011a, 2011b).(5) Uma categoria específica é necessária para assimilar este nexo entre menor incidência do progresso técnico, por um lado, e intensificação e prolongamento do trabalho e compressão do consumo dos trabalhadores, por outro, quer os efeitos desta “morfologia” da exploração própria das economias dependentes sobre o valor “normal” da força de trabalho sejam retratados como um rebaixamento forçoso dos salários em relação a este valor, quer como uma incessante pressão dos capitais de tais economias para elevar o patamar “normal” de exploração, degradando progressivamente as condições de vida dos trabalhadores dos países dependentes.

Uma extensa polêmica, opondo Claudio Katz ([2018], 2019, 2020a) a Jaime Osorio ([2017], 2018, 2019a, 2019b) e Adrián Sotelo Valencia ([2017], [2018]), foi motivada pela proposição de Katz ([2017] 2020a) de uma “teoria da dependência sem superexploração”. Katz reitera as críticas à superexploração de Agustín Cueva, que considera o pagamento regular de salários abaixo do valor da força de trabalho incompatível com o funcionamento normal do capitalismo, já que tal remuneração ameaçaria a sobrevivência dos trabalhadores, comprometendo a acumulação do capital, e de Enrique Dussel, para quem Marini inverte causa e consequência, ao transformar o mecanismo de compensação das trocas desiguais em fundamento da dependência. Sempre segundo Katz, a mundialização neoliberal teria inviabilizado a distinção entre centro e periferia a partir da superexploração. Esta categoria tampouco seria útil para a dilucidação dos dois casos paradigmáticos de países que transitaram ou estão em vias de transitar de uma posição internacional periférica para uma semi-periférica, ou até central: o sul-coreano e o chinês.(6) Logo, a teoria da dependência deveria enfocar primordialmente as transferências de valor entre os países, já que a mudança ou a manutenção da posição destes na economia global é provocada por tais transferências, além de se inteirar do fato de que não só o valor da força de trabalho difere em cada país, podendo ser alto, médio ou baixo em relação ao valor da dos demais países, como também existe uma estratificação salarial interna aos países, em razão da precarização do trabalho ocasionada pela mundialização. Seriam superexplorados, portanto, apenas os trabalhadores dos estratos mais baixos de cada país do centro e da periferia.

Katz argui ainda que Osorio e Sotelo Valencia sustentam três alegações mutuamente contraditórias, a saber: a superexploração é uma categoria específica do capitalismo dependente que, no entanto, já se encontra n’O capital de Marx, e ainda se generalizou para os países centrais. (7)  Tanto Osorio quanto Sotelo Valencia, entretanto, admitem que a ocorrência da superexploração nos países centrais se restringe, em grande medida, a alguns segmentos da classe trabalhadora destes países, adquirindo uma abrangência que extrapola tais segmentos apenas em conjunturas de crise, diferentemente do que acontece nos países dependentes.(8) Ademais, Osorio contesta a falsa dicotomia estabelecida por Katz entre superexploração e transferências de valor, arrazoando que não basta somente afirmar a existência destas, mas é preciso perscrutar os efeitos de tais transferências, que sucedem na esfera da circulação, sobre a esfera da produção dos países dependentes, de modo que a superexploração da força de trabalho destes países e as transferências de valor desvelem-se como duas facetas distintas do mesmo fenômeno, cada uma em uma esfera. Segundo Osorio, uma teoria da dependência estritamente marxista foi criada “quando da apresentação em Congresso e da publicação do primeiro escrito, em 1972, do que será a base que dará forma à Dialética da dependência” (Osorio, 2019b; p. 70 – tradução nossa). Se Marx desvendara as leis gerais do capital e do modo de produção capitalista, a teoria marxista da dependência se caracterizaria pelo objetivo de conhecer as leis específicas do capitalismo dependente.(9) A proposta de Katz significaria, portanto, um rechaço à existência de um capitalismo dependente, isto é, de uma forma particular de capitalismo, regido por leis próprias, sintetizadas teoricamente nas categorias da Dialética…, como a superexploração. Tal rechaço seria análogo ao de Fernando Henrique Cardoso e, sobretudo, Cueva. Assim como este último, Katz suputaria as categorias de O capital como suficientes para a compreensão do subdesenvolvimento e da dependência e, sempre segundo Osorio, confundiria superexploração com pauperização absoluta.

Todavia, o argumento mais forte em favor da categoria em questão é proporcionado por Osorio (2019a) e, de maneira mais aprofundada, por Luce (2018). A dialética assume que as coisas são e, ao mesmo tempo, não são. A lei do valor determina que as mercadorias sejam intercambiadas na proporção dos seus respectivos valores e que não sejam intercambiadas em tal proporção, pois os preços de mercado não oscilam ao redor dos valores, e sim dos preços de produção, que não coincidem, via de regra, com os valores. No entanto, é a própria lei do valor que rege o desvio dos valores em relação aos preços de produção. Sob as relações de dependência, o momento negativamente determinado da dialética é exacerbado, modificando a atuação da lei do valor. No âmbito das relações capital-trabalho dos países dependentes, o predomínio do momento negativo da dialética sobre o positivo torna a remuneração salarial inferior ao valor da força de trabalho de maneira estrutural e sistemática, ao invés de acidental e episódica. A superexploração é, portanto, uma violação da lei do valor consoante à lei do valor, lei esta que contém em si tanto o intercâmbio de equivalentes quanto o de não-equivalentes. A dialética negativa contribui ainda para uma formulação mais rigorosa da troca desigual. Como nota Luce, a equalização internacional das taxas de lucro teria acarretado a difusão de um nível médio de produtividade entre todas as economias do mundo se a concorrência fosse determinada apenas pelo momento positivo da dialética. Porém, a existência de desníveis de produtividade persistentes entre as economias nacionais implica a ocorrência de outras transferências internacionais de valor além das que são provocadas pelo nivelamento da taxa de lucro. Por conseguinte, Luce aduz a necessidade de distinguir “transferências de valor tout court” de “transferências de valor como intercâmbio desigual”, sendo estas últimas ocasionadas pela preponderância da determinação negativa da dialética no plano do mercado mundial, que tolhe as tendências homogeneizantes do movimento de equalização internacional das taxas de lucro. (10)

Subimperialismo

A gravitação da acumulação capitalista dos países centrais em torno da produção de mais-valia relativa permite que, em tais países, sejam atenuadas as tensões entre a produção e o consumo. Nos países dependentes, a superexploração gera uma cisão entre estas duas esferas da economia. Tal cisão assumiu a forma de uma oposição entre os mercados internos das economias latino-americanas e o mercado externo até se iniciarem os processos de industrialização destas economias, no período entre as duas guerras mundiais. (11) Na medida em que o papel da América Latina na divisão internacional do trabalho era satisfazer a demanda de alimentos e matérias-primas dos países centrais, a demanda de consumo dos trabalhadores latino-americanos era pouco relevante para a realização da produção do subcontinente, facilitando a compressão dos salários de tais trabalhadores. Em contrapartida, a mais-valia não acumulada era a principal fonte da demanda latino-americana de bens de consumo industrializados, que tinham de ser importados. Consequentemente, a esfera do consumo das economias latino-americanas dividiu-se em dois estratos: um superior, de bens “supérfluos” ou suntuários, que não compõem a cesta de consumo dos trabalhadores; e um inferior, de bens-salário ou bens de consumo popular, restringido pela superexploração. Por causa desta segmentação prévia do consumo, a industrialização do subcontinente irá internalizar a cisão entre mercado externo e interno, engendrando também a segmentação da estrutura produtiva dos países latino-americanos entre o que os desenvolvimentistas denominaram, à época, indústrias “tradicionais” e “dinâmicas”. Como apenas os estratos sociais de renda mais elevada são capazes de consumir os produtos destas últimas, o avanço da industrialização de um país dependente esbarra em crescentes dificuldades de realização (Marini, [1979a], 2011a).(12)

Estas dificuldades teriam acarretado a transformação do Brasil em um país subimperialista, possibilitando que a desaceleração da economia brasileira, incoada em 1961, fosse sucedida do “milagre” dos anos de 1967 a 1973. Para Marini, o subimperialismo teria duas dimensões, uma econômica, outra geopolítica. Por um lado, o subimperialismo designa uma economia dependente em que a composição orgânica média do capital atingiu um grau médio em relação à economia mundial, permitindo a esta economia dependente apropriar valor de outras, de menor composição orgânica média que aquela primeira, do mesmo modo que as várias economias dependentes cedem valor às centrais por meio do comércio internacional. Exportando manufaturas para esses outros países dependentes, o país subimperialista logra mitigar os problemas de realização da economia do próprio país. Ademais, a demanda doméstica deste último é costumeiramente robustecida seja pelos gastos do governo, seja por uma política econômica que visa o aumento deliberado da concentração de renda, a fim de sustentar e expandir o consumo suntuário. Por outro lado, o subimperialismo só é possível se houver um arranjo entre as classes dominantes do país, e as múltiplas frações destas classes, que viabilize um projeto de poder regional “relativamente autônomo” e o estabelecimento de relações de “cooperação antagônica” do país subimperialista com os países imperialistas propriamente ditos, e com os EUA, a potência hegemônica, em particular (Bambirra, 2013; Katz, 2020, 2020b; Luce, 2013; Silva, 2018; Souza, 2013).

Katz (2020, 2020b) e Silva (2019) assinalam a similaridade entre o aspecto econômico da definição de subimperialismo de Marini e a teoria do imperialismo de Rosa Luxemburgo, para quem a demanda endógena de uma sociedade na qual há somente trabalhadores assalariados e capitalistas seria insuficiente para realizar a totalidade do produto desta sociedade e, consequentemente, a reprodução ampliada do capital não poderia prescindir de fontes de demanda exógena, isto é, mercados não-capitalistas, capazes de absorver esse excedente endogenamente invendável. O imperialismo objetivaria, portanto, a conquista de tais zonas pré-capitalistas, e a acumulação do capital seria obstada pelo subconsumo endógeno à medida que as relações capitalistas de produção se alastrassem pelo mundo, esgotando as fontes de demanda exógena. Diferentemente de Luxemburgo, Marini teria aceitado que o subconsumo empece não a acumulação capitalista em si, mas a das economias dependentes que alcançam um grau de industrialização significativo.(13) Katz, porém, defende Marini da pecha de “estagnacionista”, tão usualmente atribuída a este, replicando que a acusação poderia se dirigir com muito mais justiça a Celso Furtado, cujo prognostico de que a ditadura militar brasileira iria “pastorizar” o país, ao impedir as “reformas de base”, é lembrado tanto por simpatizantes de Marini, como Luce (2018) e o próprio Katz, quanto por críticos de Marini, como Silva. Katz esclarece ainda que as tensões na esfera da circulação dos países dependentes, sobre as quais versa Marini, são suscitadas justamente pelo crescimento econômico e pelo avanço do processo de industrialização, e não pela estagnação, de tais países. Estas tensões e a proeminência dos desequilíbrios intersetoriais são, para Katz, o que diferencia as crises típicas do capitalismo dependente das do capitalismo central, em que a queda tendencial da taxa de lucro é um fator causal de maior importância.

No entanto, Katz (2020, 2020b, 2020c) considera que a dimensão econômica do subimperialismo perdeu capacidade explicativa por força da mundialização neoliberal, que diversificou largamente as economias intermediárias ou semiperiféricas, em prejuízo da associação entre projeção econômica e geopolítico-militar conjecturada por Marini.(14) Por conseguinte, Katz preconiza uma reelaboração da categoria de Marini, de maneira concatenada à concepção de “imperialismo coletivo” de Samir Amim. Segundo Katz, a Segunda Guerra Mundial teria encerrado cabalmente o “cenário leninista” do imperialismo, supostamente marcado por: i) uma polarização dicotômica entre centros e periferias; ii) estagnação da economia mundial, causada pelo parasitismo das finanças privadas e estatais; e iii) guerras inter-imperialistas. A inconteste superioridade militar dos EUA, a invenção das armas nucleares, os acordos de segurança coletiva firmados entre as potências imperialistas por ocasião da Guerra Fria e a maior imbricação entre capitais de distintos países, sobretudo, teria inibido as conflagrações armadas entre tais potências. Sob este arranjo, a existência de semiperiferias seria especialmente importante para a estabilidade global. Assim, o subimperialismo seria uma forma particular de semiperiferia distinguida por exercer uma influência regional que se ampara precipuamente no poderio militar do país subimperialista e provoca alguns atritos circunspectos entre este e os EUA. Turquia, Índia, Arábia Saudita e Irã são países que Katz caracteriza como subimperialistas.

Embora dissentamos dessas concepções de Katz e Amin acerca do imperialismo, esmiuçar tais dissensos excederia substancialmente o escopo do presente artigo. Todavia, Katz (2020c) afirma que a regressão industrial brasileira e a concentração da pauta exportadora brasileira em produtos primários tornam injustificado o seguimento da caracterização subimperialista do Brasil após a década de 1970, mesmo segundo a definição original de Marini.

O Brasil perdeu a aura de uma economia industrial ascendente. Os países asiáticos, transformados em oficina do mundo, monopolizaram esta função. O declínio fabril brasileiro é muito relevante para um diagnóstico subimperialista nos termos de Marini. O pensador marxista atribuiu essa condição a incursões externas derivadas do crescimento industrial. Se essa esfera declina, o status do país é recolocado. (Katz, 2020c; p. 256)

Tampouco a política externa brasileira do início do século XXI teria sido representativa da dimensão geopolítica da categoria de Marini, por mais que o Brasil tenha adquirido algum prestígio em fóruns internacionais e as forças armadas brasileiras tenham sido modernizadas, principalmente, no intuito de tornar o país um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sempre segundo Katz (2020c), o Brasil não se utilizou de fortes pressões diplomático-militares no processo de internacionalização de empresas brasileiras ocorrido, sob os auspícios do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), nos anos em que o país foi governado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Eventuais conflitos entre o Brasil e os países dependentes a que se destinaram os investimentos internacionais de tais empresas foram sempre resolvidos de maneira negociada, e o único país contra o qual o Brasil interveio militarmente nesses anos foi o Haiti. Atendendo aos interesses dos EUA, o Brasil encarregou-se de liderar uma intervenção sumamente reacionária e condenável que mobilizou também forças de outros países latino-americanos, como o Uruguai, e que não visou à majoração da presença econômica ou geopolítica do Brasil na região circunvizinha deste país.

Mercatante (2021b, [2022]), por sua vez, reconhece que a estratificação do mercado mundial se complexificou sobremaneira ao longo das últimas décadas, aumentando não só a quantidade de países cuja posição não é tipicamente central nem periférica, mas também a variedade de tais formações econômico-sociais intermediárias. Ademais, Mercatante nota que a existência destas formações intermediárias já havia sido tematizada pela produção teórica marxista do começo do século XX, contrariando a alegação de Katz de que o “cenário leninista” previa somente a polarização entre um centro cada vez mais rico e uma periferia cada vez mais pobre. No entanto, a categoria de Marini é reprovada por Mercatante. Se, por um lado, a própria posição internacional das formações intermediárias impele-as a se projetarem econômica e geopoliticamente sobre os países que as rodeiam, por outro, tal projeção não permite às formações intermediárias escaparem ao jugo imperialista. Logo, a compreensão destas formações é mais atrapalhada do que ajudada pelo uso do termo “imperialismo”, acrescido apenas do prefixo “sub”, para se referir a países intermediários, resultando em uma denominação autocontraditória, que obnubila a distinção entre estes e países os imperialistas stricto sensu.

Pode parecer uma questão meramente terminológica e, em parte, é, mas é difícil não chegar à conclusão de que a diferença entre os países imperialistas e aqueles nos quais o prefixo “sub” é adicionado antes do termo, seria mais de grau do que de qualquer outra coisa, pois aparecem como países que fazem, em parte, o mesmo que os imperialistas, mas em uma escala menor. Formam, então, parte de um mesmo conjunto com os países imperialistas na participação da espoliação do planeta? Embora o prefixo “sub” estabeleça limites, os subimperialismos parecem ingressar no primeiro batalhão. (Mercatante, [2022]; n.p. – tradução nossa)(15)

Considerações finais

Nos parágrafos introdutórios de Dialética…, Marini clama pelo respeito ao rigor conceitual, ou categorial, e metodológico do marxismo (Marini, 2011a). Lê-se ainda, ao final do post-scriptum à Dialética…, que uma teoria marxista da dependência só irá nascer na medida em que se libertar “das características funcional-desenvolvimentistas que se lhe aderiram em sua gestação.” (Marini, 2011b; p. 185) O presente artigo tenciona seguir na direção apontada por Marini. A análise das transferências internacionais de valor se tornaria mais rigorosa se enfocasse as diferenças de produtividade e de composição orgânica entre capitais individuais, já que a produtividade dos países dependentes pode ser maior que a dos centrais em ramos cujos produtos compõem a pauta exportadora do país dependente. A superexploração se beneficiaria de uma definição que enfatizasse mais o nexo entre a maior exploração física dos trabalhadores dos países dependentes e a menor incidência do progresso técnico nas economias de tais países, e não tanto a relação quantitativa entre os salários desses trabalhadores e o valor “normal” da força de trabalho dos mesmos trabalhadores. A crescente diversidade e complexidade das formações intermediárias seria melhor captada por meio de uma categoria que não assaque a estas formações um caráter “imperialista”, ainda que extenuado pelo prefixo “sub”, e que não se defina a partir de características específicas do Brasil dos militares, prejudicando a extensão de tal categoria a outras localidades e períodos históricos. A teoria da dependência se torna mais rigorosa e mais consistente com a teoria do valor de Marx, e se desembaraça de modo mais explicito das teorias tradicionais acerca do subdesenvolvimento, quando as leis particulares do capitalismo dependente são entendidas não como distintas das, e “complementares” às, leis gerais do modo de produção capitalista, e sim como as próprias leis gerais, mas sob a predominância do momento negativamente determinado da dialética, conforme o alvitre de Luce (2018). A economia mundial tornou-se muito mais intrincada desde os tempos de Marini. Logo, nosso zelo pelo rigor da teoria e do método também deve ser redobrado.

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Notas

* Seiji Seron Miyakawa. Bacharel em Ciências Econômicas – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestrando em Desenvolvimento Econômico – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

(1) A relação entre esses tópicos insignes da economia do desenvolvimento e as categorias de Marini também é reconhecida por Katz (2020). Sobre o desenvolvimentismo clássico, cf. Cardoso (2018). Para Cardoso de Mello (1991), toda teoria da dependência legatária da noção de “desenvolvimento do subdesenvolvimento” de André Gunder Frank reduz-se à mera radicalização do cepalinismo e, portanto, carece de relevância própria. Já Silva e Costa (2018) glosam que a subjacência teórico-metodológica do cepalinismo é comum a ambas as grandes vertentes da teoria da dependência: a “weberiana”, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, e a “marxista”, de Gunder Frank, Marini, Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos e outros.

(2) Esta ilação de Shaikh é cabível a qualquer versão da teoria das vantagens comparativas que pressuponha tacitamente a TQM, sejam os regimes cambiais fixos ou flexíveis; a moeda mundial, metálica ou não; e os custos de produção, determinados pelo tempo de trabalho dispendido na produção das mercadorias ou pela dotação nacional de fatores de produção. Para Shaikh (1980), a elevação do nível de preços sempre induz uma expansão da produção porque é própria do capitalismo a existência de um exército industrial de reserva e porque, além da contratação de novos trabalhadores, o aumento da duração da jornada e da intensidade do trabalho também permitem tal expansão. Entretanto, Mandel (1957) refuta a tese tipicamente keynesiana de que o aumento da quantidade de moeda em circulação não poderá ser inflacionário enquanto a economia estiver abaixo do pleno emprego. Segundo Mandel, os investimentos só irão aumentar na medida necessária para que a ampliação da oferta neutralize e reverta a elevação do nível de preços se, concomitantemente à expansão monetária, sobrevier um aumento suficiente da taxa de lucro.

(3) Segundo Marini ([1979a]), essa superioridade tecnológica do capital estrangeiro que se instala na economia dependente sobre o capital nacional desta mesma economia permite ao primeiro se apropriar de mais-valia extraordinária de maneira perene. Mandel (1975) pondera, contudo, que este fenômeno não é característico apenas das economias dependentes, mas da época imperialista-monopolista do capitalismo, transcorrendo também nas economias centrais, por força das tendências à concentração e à centralização do capital, que elevam os custos de investimento e promovem conluios entre os maiores capitais. Tais conluios não são capazes de suprimir a concorrência, inclusive, entre as firmas monopolistas ou oligopolistas, apesar de obstaculizarem a mobilidade intersetorial do capital de tal modo que não uma, mas duas taxas médias de lucro se estabelecem em cada economia nacional: a dos setores monopolizados e oligopolizados, e a dos setores competitivos. Assim, parte da mais-valia gerada nestes é transferida para aqueles setores.

(4) Tal pendor é empiricamente provado. cf., por exemplo, os dados da OIT ([2022]).

(5) Marini (2011a) expende a superexploração a partir do fenômeno da deterioração dos termos de troca. Os países prejudicados por tal fenômeno tentam compensar a queda do valor unitário dos produtos que exportam aumentando a quantidade total exportada. Via de regra, esta quantidade é aumentada por meio de um aumento não da produtividade do trabalho, e sim da intensidade e da duração da jornada de trabalho, o que eleva também o desgaste da força de trabalho dos trabalhadores desses países. Esta força, contudo, não pode ser reposta adequadamente; caso contrário, a renda que os capitalistas do setor exportador de tais países aufeririam ao expandirem a quantidade exportada seria apenas transferida a esses trabalhadores na forma de aumentos salariais proporcionais ao incremento do desgaste da força de trabalho, comprimindo a rentabilidade do setor. Singer (1950) assevera que os ganhos de produtividade das economias exportadoras de manufaturas tendem a ser apropriados pelos produtores, e os das economias primário-exportadoras, pelos consumidores. Em outras palavras, a elevação da produtividade destas economias reduz os preços unitários dos produtos exportados, enquanto a daquelas mantém tais preços inalterados, aumentando a diferença entre custos e a receita e venda das exportações. Por conseguinte, os ganhos de produtividade se distribuiriam desigualmente entre as nações. Para Theotônio dos Santos (1970), a principal causa da deterioração dos termos de troca é a estrutura monopólica do mercado mundial. Esta irrogação de dos Santos permite que a superexploração seja entendida de maneira independente da corretude da teoria da troca desigual, questionada por Shaikh, e que essa desigualdade da distribuição internacional dos ganhos de produtividade, ocasionadora da deterioração dos termos de troca, seja relacionada ao imperialismo, definido suscintamente por Lênin como a época dos monopólios e do capital financeiro. Ainda segundo Lênin, um dos traços característicos desta época é que a exportação de capitais adquire uma importância consideravelmente maior que a da exportação de mercadorias (Lenin, 2012). Já Singer salienta que os países subdesenvolvidos se especializaram no fornecimento de alimentos e matérias-primas para os desenvolvidos não em razão de fatores geográfico-naturais que propiciariam tal especialização, mas dos investimentos dos países desenvolvidos nos subdesenvolvidos, sobretudo. Uma forma de deterioração dos termos de troca similar à aludida por Shaikh afeta ainda países que se transformaram em exportadores de manufaturas internalizando etapas trabalho-intensivas das cadeias globais de valor por meio do IED, segundo Mercatante (2021a).

(6) O papel da superexploração nos processos de desenvolvimento da China e da Coréia do Sul é analisado por Osorio (2015).

(7) Esta generalização foi aventada pela primeira vez pelo próprio Marini ([1996]). A mudança da forma da internacionalização do capital industrial subsequentemente à crise capitalista internacional da década de 1970 teria promovido uma homogeneização internacional dos processos produtivos, tornando o lucro extraordinário mais afeito a desníveis salariais do que tecnológicos entre os países. Ainda a respeito desta nova forma de internacionalização do capital industrial e das consequências de tal mudança para os países periféricos e para os trabalhadores de todo o mundo, cf. a primeira parte da coletânea de artigos de Esteban Mercatante (2021), em especial, Mercatante (2021a).

(8) O tratamento teórico-categorial da superexploração diverge em Sotelo Valencia e em Osorio. Porém, não destrincharemos estas divergências em prol da brevidade do artigo.

(9) “A tarefa fundamental da teoria marxista da dependência consiste em determinar a legalidade específica pela qual se rege a economia dependente. Isso supõe, desde logo, situar seu estudo no contexto mais amplo das leis de desenvolvimento do sistema em seu conjunto e definir os graus intermediários pelos quais essas leis se vão especificando. É assim que a simultaneidade da dependência e do desenvolvimento poderá ser entendida.” (Marini, 2011b; p, 184)

(10) Luce (2018) distingue ainda a essência da transferência de valor como intercâmbio desigual, que é a não-identidade entre valor produzido e apropriado, e as formas fenomênicas da categoria, como a deterioração dos termos de troca, as remessas de lucros e dividendos ao exterior, o pagamento de juros e royalties, etc., etc.

(11) Embora já existissem indústrias na América Latina anteriormente, o ritmo de crescimento destas indústrias era determinado pelo da atividade primário-exportadora do subcontinente. A superação deste entrave à industrialização latino-americana só foi possível à medida que, nesse período, a redução da capacidade dos países capitalistas centrais de demandar produtos primários da América Latina e de ofertar manufaturas ao subcontinente deslocou o eixo da acumulação capitalista latino-americana para o mercado interno (Marini, 2011a).

(12) Osorio e Luce frisam que os trabalhadores dos países dependentes compram bens de consumo duráveis, como eletrodomésticos e eletroeletrônicos, endividando-se e/ou reduzindo o consumo de alimentos como carne, ovos, e até de remédios e serviços médicos, odontológicos, etc. cf. ainda Marini ([1979b]).

(13) A associação entre Luxemburgo e Marini e a imputação de um viés subconsumista a este último é impugnada por Luce (2018). Este reporta-se às discussões de Marini ([1979b]) acerca dos esquemas de reprodução do livro II de O capital, nas quais Marini é crítico de Luxemburgo. Há ainda uma afinidade entre o subimperialismo e a teoria dos “estágios da industrialização” de Nicholas Kaldor (1989), segundo a qual um país que completa a substituição das importações de bens de consumo terá de se tornar um exportador líquido de bens de consumo manufaturados e, posteriormente, de bens de capital a fim de manter o ritmo de crescimento da produção industrial e concluir o processo de industrialização. Esta afinidade é análoga a que há entre troca desigual e deterioração dos termos de troca, superexploração e oferta ilimitada de mão de obra, etc.

(14) Por exemplo, a Coréia do Sul é um país de economia pujante cuja subordinação político-militar aos EUA é total. Em contrapartida, o poder militar da Rússia e da Turquia confere grande autonomia geopolítica a estes países, cujo vigor econômico é parco (Katz, 2020; Mercatante, [2022]).

(15) Marini insistia enfaticamente que o subimperialismo não significa uma sobpreujação da dependência, ou seja, que os países subimperialistas continuam sendo dependentes (Luce, 2013; Marini, 2011a; Mercatante, [2022]). A concepção de semiperiferia de Immanuel Wallerstein também é reprochada por Mercatante ([2022]) por imputar às formações intermediárias a função estabilizadora tão prezada por Katz. Segundo Mercatante, Marini e Wallerstein incorreriam em um “esquematismo econômico de base” ao caracterizar tais formações como semiperiferias ou países subimperialistas, quer a partir do critério dos produtos exportados pela economia intermediária, do das transferências internacionais de valor, ou do da projeção econômica para o exterior provocada pelos problemas de realização domésticos da economia dependente, pois nenhum destes três elementos é comum a todas as, ou à esmagadora maioria das, formações intermediárias. As objeções de Souza (2013) ao subimperialismo assemelham-se parcialmente às de Mercatante. Souza alterca que o subimperialismo é depreendido da superexploração de maneira esquemática e subconsumista e que Marini identifica os países subimperialistas a partir de diferenças de “grau” entre estes e os demais países dependentes: maior ou menor composição orgânica média do capital, maior ou menor superexploração, maior ou menor importância do consumo suntuário e dos gastos estatais na realização do produto industrial do país, etc. Ademais, Souza adverte que não houve apenas transnacionalização de capitais brasileiros, mas também de argentinos, chilenos, mexicanos, inclusive, à época das publicações originais de Marini sobre o subimperialismo. Satélite de grande porte, satélite privilegiado, colônia privilegiada, colônia industrializada, testa de ferro, sócio menor e submetrópole são outros tantos exemplos de nomenclaturas criadas em razão das dificuldades de caracterização intrínsecas aos países intermediários (Godeiro e Soares, 2016).

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