A primeira guerra do Paraguai

A expedição naval imperial ao Paraguai de 1854-5*

 

Fabiano Barcellos Teixeira**

Considerações Iniciais

 

Estruturamos o artigo com base na dissertação de mestrado, de mesmo título, com defesa prevista para março de 2012, que possivelmente será publicada. Analisamos um singular conflito existente entre os governos do império do Brasil e da república do Paraguai, em 1853-5, que podem ter importante relação com a grande guerra explodida na década seguinte.

 

A guerra da Tríplice Aliança [Argentina, Brasil e Uruguai] contra o Paraguai, ocorrida de 1864 a 1870, tragicamente expôs os interesses contraditórios de setores dominantes do império brasileiro aliado a Argentina mitrista contra o governo paraguaio aliado ao governo blanco do Uruguai. Apesar de cada nação possuir uma formação social diversa, a referida guerra jamais foi determinada por contradições ideológicas dos povos latinoamericanos.

 

O referido conflito teve momento privilegiado com a formação da faraônica operação naval enviada pelo império do Brasil ao Paraguai, em 1854-5, sob a condescendência Argentina e uruguaia. A expedição ainda é quase uma desconhecida, também abordaremos as propositais razões desse esquecimento.

 

A formação dos Estados nacionais platinos: o Império fortalecido e agressivo

 

Entre 1850-5, o império do Brasil praticou uma política agressiva sobre os países platinos, exposta em ações militares no Uruguai, na Argentina e posteriormente no Paraguai. Tais ações militares ocorreram, sobretudo a partir do fortalecimento econômico do Império, fruto das rendas provenientes do café, da sua tentativa de se tornar a maior liderança na América do Sul e das divisões intestinas que enfraqueceram Uruguai e Argentina.[1]

 

Entre 1810-30, com o desenvolvimento dos Estados nacionais sul-americanos, teve início uma incessante disputa pela hegemonia no cone sul entre a coroa luso-brasileira, representante dos latifundiários escravista, e a Argentina portenha, livre cambista. Antiga sede do governo espanhol no Vice Reinado e principal porto hispânico no Prata, Buenos Aires buscou se impor diante das demais regiões argentinas e platinas. A definitiva unificação das regiões que vieram a formar aquela nação só ocorreu mais tarde, em 1862, no governo de Barlomé Mitre [1821-1906]. Os liberais-portenhos, unitaristas, classes hegemônicas de Buenos Aires, buscavam restabelecer seus privilégios do período colonial.

 

Por sua vez, o império do Brasil, maior Estado sul-americano em extensão territorial, teve no quase cinquentenário reinado de Pedro II [1825-91], de 1840 a 1889, fortemente representados os interesses dos exportadores de gêneros agrícolas. Esses setores eram compostos, sobretudo por cafeicultores, latifundiários e escravistas do sudeste brasileiro, das províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. O crescimento da referida produção agro-exportadora brasileira dependia da expansão da área física de exploração das terras, necessitando aumentar incessantemente a área geográfica de produção, exaurida pela rústica produção extensiva escravista. Desse modo, a expansão sobre as nações platinas foi a opção escolhida quando o Império, sob pressão inglesa, fora expulso do comércio escravocrata com a costa africana em 1850.[2]

 

O Império procurou a todo custo obter a livre navegação da bacia platina para participar daquele próspero comércio. O governo imperial buscou expandir suas fronteiras centro-oeste e meridional também para assegurar a unidade das suas províncias diante das nações platinas. O Mato Grosso e o Rio Grande do Sul  poderiam seguir os exemplos das repúblicas vizinhas que negociavam diretamente com a Europa, pois a centralização monárquica era bastante superficial a integração entre as províncias brasileiras eram bem limitadas.[3] Por exemplo, devido ao sistema de ventos e correntes marítimas eram mais rápidas e eficientes as comunicações entre o Maranhão e o Pará com Lisboa do que do norte com o Rio de Janeiro, ainda durante o período imperial.[4]

 

Brasileiros na origem, os rios Paraná, Paraguai e Uruguai [Figura 1], principais formadores do estuário do rio da Prata, passavam a pertencer a outras nações na continuação de seu curso. Em La guerra del Paraguay, o político e pensador federalista argentino Juan Batista Alberdi [1810-84] destacou a vital importância das comunicações fluviais via bacia do rio da Prata para o Império “Esos ríos son como dos puertas de interiores y no excusadas del Imperio, cuya llaves están en manos del Paraguay, de la Confederación Argentina y de la Banda Oriental.”[5] O Império pretendeu obter a hegemonia política e econômica no Prata através de ações militares e diplomáticas contra o Uruguai, a Argentina e o Paraguai, sobretudo nos 1850.

 

Figura 1: Rios Paraguai, Paraná e Uruguai

Fonte:http://www.riosvivos.org.br/Canal/ Infraestrutura+Bacia+do+Prata/528

 

 

 

Em 1851-2, nas campanhas militares contra Oribe e Rosas, o Império impôs sua hegemonia sobre o Uruguai e sobre as regiões argentinas que enfrentavam graves conflitos internos. Em 1854-5, quando o Império tentou submeter o Paraguai pela diplomacia e pelas armas sofreu contundente derrota explicada de modo bastante insuficiente pela historiografia. A república do Paraguai, ex-província do Vice Reinado do rio da Prata, declarou sua independência em 1811. Até 1852, no entanto, a rica província e antiga sede do Vice Reinado Buenos Aires tentou “recolonizar” o Paraguai impedindo a navegação do rio da Prata e do rio Paraná, vitais para acessar o país mediterrâneo, para embarcações que comerciassem com o governo paraguaio.[6]

 

Em 1814 a 1840, no governo do ditador perpétuo José Gaspar Rodriguez de Francia houve uma luta intransigente pela consolidação da independência paraguaia. Foi desenvolvida uma economia auto-sustentável com restritos contatos comerciais com as nações vizinhas. Naquele contexto se fortaleceram os setores minifundiários de camponeses arrendatários e proprietários que defendiam a soberania da pátria e a sua própria sobrevivência.[7]

 

Ao se defender contra a constante pressão bonaerense, o Paraguai se tornou aliado do Império. Este pretendia impedir que sob a liderança bonaerense fosse recriado o Vice Reinado do rio da Prata [1776-1810], que agregava regiões da Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e o oeste do atual Rio Grande do Sul, no Brasil. A livre navegação do rio da Prata ficaria prejudicada caso dependesse dos argentinos unitaristas, conforme demonstrara a política de Juan Manuel Rosas [1793–1877], caudilho, saladeirista, que, entre 1829-52, governou Buenos Aires e as províncias argentinas.

 

Em 1851-2, o Império apoiou os colorados uruguaios e as províncias argentinas de Corrientes e Entre Rios, então marginalizadas do poder nos seus países, para derrotarem seus opositores Oribe e Rosas. Com a queda de Rosas, na batalha de monte Caseros [1852], Império e Paraguai deixam de ser aliados e passam a ter um importante contencioso. O Paraguai desejava rever as fronteiras com o Império, pois, segundo seu governo, parte do país era constantemente invadida por brasileiros que estabeleciam posses irregulares. O Império, por sua vez, exigia a livre navegação do rio Paraguai, na parte que ele atravessava o país homônimo, pois era caminho vital para acessar a província do Mato Grosso.[8]

 

Brasil versus Paraguai [1853-5]: o gérmen do maior conflito sul-americano, dados bibliográficos

 

Em 1853, representado pelo seu diplomata em Assunção Felipe José Pereira Leal, o Império deu ultimato e exigiu a livre navegação do rio Paraguai. O governo paraguaio rechaçou a imposição imperial e expulsou o cônsul imperial de Assunção. Em resposta, o Império mobilizou uma verdadeira operação de guerra. Em 10 de dezembro de 1854, mais 30 navios de guerra e entre dois a três mil soldados, partiram do Rio de Janeiro à Assunção para submeter o governo do renitente Paraguai. A guerra parecia iminente. O principal objetivo da “missão Pedro Ferreira de Oliveira”, assim chamada pelo parlamento imperial na época, era obter a livre navegação do rio Paraguai.

 

Destaque-se que, em 1840, as tropas de linha paraguaias não superavam os 1400 homens.[9] Por sua vez, o historiador e político argentino Ramón José de Cárcano [1860-1946] assinalou que as defesas paraguaias possuíam “un fuerte ejército, 6.000 hombres de las tres armas, en el Paso de Humaitá, y artilla toda la costa con batería dotadas de parillas subterráneas con balas caldeadas para producir incendio.”[10] Ao que parece, seriam semelhantes os números de combatentes brasileiros e paraguaios, em torno de poucos milhares para cada lado.

 

Em Anales diplomático y militar de la guerra del Paraguay, de 1906, o jornalista e ex-diplomata paraguaio, na Alemanha, França e Inglaterra, durante a guerra de 1864-70, Gregorio Benites [1834-1910], transcreveu documentos referentes à diplomacia paraguaia naqueles países e na América do Sul, no contexto anterior e contemporâneo ao citado conflito.[11] A obra, dividida em dois tomos com pouco menos de 500 páginas, se tornou referência documental para o estudo da guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai.

 

O capítulo quatro do primeiro tomo foi intitulado “Expedición marítima del Brasil”. Nele, foram analisadas desde as causas para o envio da expedição naval imperial de 1854 até as negociações desempenhadas pelo diplomata paraguaio José Berges, no Rio de Janeiro, em 1856, quando a expedição naval já retornara ao Império. Gregorio Benites identificou a força bélica imperial com “20 cañoneras de guerra, con 130 piezas de artillería, calibre de a 68 y 32 […]. Su tripulación se componía de 2161 plazas y 3000 hombres de desembarque, al mando del almirante Pedro Ferreira de Oliveira.”[12]

 

De modo geral, a historiografia referente à expedição naval imperial ao Paraguai de 1854-5 usa as informações disponibilizadas por Gregório Benites. Elas são reiteradas em: Guerra del Paraguay, de Ramón José Cárcano [1939]; La Diplomacia Paraguaya de mayo a Cerro-Corá, do historiador paraguaio Hipólito Sánchez Quell [1955]; La guerra del Paraguay y las montoneras argentinas, do historiador argentino José María Rosa [1964]; O Expansionismo brasileiro e a formação dos estados na bacia do prata, do diplomata e historiador brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira [1985].[13]

 

Contrapondo aos números registrados por Gregório Benites, lembramos quatro obras, escritas por brasileiros. Em Diplomacia do Império no rio da Prata, de 1955, Álvaro Teixeira Soares criticou os números “fantasiosos” levantados por Gregório Benites. Porém, não apresentou novos elementos.[14] Em A marinha de guerra do Brasil na colônia e no Império, tentativa de reconstituição histórica, de 1965, o almirante João do Prado Maia informou que o contingente de desembarque da expedição seria de mil homens.[15]

 

A expedição imperial ao Paraguai de 1854-5 foi analisada em Um estadista do Império.[16] O autor apresentou poucas informações sobre a esquadra: “o governo mandou a Assunção uma esquadra sobre o comando de Pedro Ferreira de Oliveira, que ia como plenipotenciário.”[17] Talvez sua maior contribuição, aos estudos sobre a referida missão, seja sobre a repercussão quando do retorno da esquadra ao Império, definindo-a como um grande desastre diplomático.

 

A obra Genocídio Americano: a guerra do Paraguai, de 1979, do jornalista Julio José Chiavenato alcançou enorme sucesso comercial tão logo sua publicação pela editora brasiliense, durante a ditadura militar brasileira [1964-85]. O autor fez breve análise da expedição de 1855.[18] Ele apresentou poucas informações sobre a expedição “uma forte esquadra, com um exército pronto para o desembarque, armada com cem canhões”.[19] A esquadra naval teria o acompanhamento de tropas terrestres. Foram mobilizados soldados no forte de Coimbra, província do Mato Grosso e em São Borja, na província do Rio Grande do Sul.[20] No entanto, ao que parece a infantaria em nenhum momento se deslocou ao Paraguai.

 

Novas fontes: Varias cartas respecto a la invasión brasilera de 1855

 

A expedição deveria ter como aliado o fator surpresa. Em 21 de fevereiro de 1855, quando a esquadra estava na fronteira da Argentina com o Paraguai Carlos Antonio López fez declaração para mobilizar os soldados paraguaios. Eles deveriam se preparar para enfrentar o inimigo que atacava de surpresa, pois anteriormente o Império não teria sinalizado nenhuma reclamação.

 

A cidade de Assunção foi evacuada e boa parte da população aguardava o início guerra. Ressaltando a traiçoeira surpresa do ataque, lançado por uma nação com a qual se mantinham relações pacíficas, Carlos Antonio López procurava, igualmente, preparar os paraguaios para uma eventual derrota o que de certo modo sugere que o exército paraguaio não estava bem preparado para enfrentar a expedição imperial. “Soldados, sea cual fuere la suerte que la Providencia nos depare, nuestra resistencia será un protesto eterno contra la injusticia del Brasil, y una gloria inmarcesible, aunque seamos desgraciados.”[21] Entretanto, apesar da relativa desordem era improcedente a referência feita à surpresa do ataque.

 

O governo do Paraguai contava com informantes que anunciaram a missão brasileira, semanas antes dela partir do Rio de Janeiro. Em 25 de outubro de 1854, possivelmente Manuel Moreira de Castro, cônsul paraguaio no Rio de Janeiro, endereçou correspondência ao presidente do Paraguai lhe informando detalhes sobre a preparação da operação naval.[22] A carta registrada como “Confidencial” [Figura 2] descreveu os objetivos da expedição imperial.

 

Figura 2: manuscrito “Confidencial” sobre os preparativos imperiais

 

Fonte: ANA. Varias cartas respecto a lá invasión brasilera. Seção História, volume 315, número 11, 12 folhas, folha 02 [frente e verso], 1855

 

A carta “Confidencial” registra que o Império propunha enviar via rio Paraná uma frota, mas que ela não acompanharia o negociador imperial até Assunção. Ou seja, não penetraria, inicialmente, nos territórios daquela nação. Três proposições seriam feitas ao governo paraguaio: “una satisfacción por el asunto del señor [Felipe José Pereira] Leal, un tratado de límites, y la libre navegación para el pabellón brasilero del rio Paraguay hasta la frontera del Brasil”.[23] O “assunto Leal” seria de importância secundária e a livre navegação, prioritária. Caso governo do Paraguai se recusasse a negociar os pontos defendidos pelo Império e não ocorresse acordo, os navios subiriam o rio sem realizar agressões, somente respondendo à certamente inevitável resistência militar paraguaia.

 

O governo imperial se apoiaria nos precedentes de 1846 e no tratado de 1851, “segundo dizem tem direito de exigir”, ou seja, nos acordos diplomáticos realizados naquelas datas. A correspondência relata a presença de um almirante inglês, que teria chegado ao Rio de Janeiro, em 6 de outubro. Mais tarde, ele e representantes do Império iriam ao rio da Prata e mandariam um barco ao Paraguai. Haveria também um ministro inglês e “M. de S. Georges”, possivelmente um representante francês, que estariam favoráveis a paz.

 

As informações descrevem o desenvolvimento possível da operação bélica naval imperial. Apesar de partir apenas em 10 de dezembro de 1854, do Rio de Janeiro, desde outubro se conheciam a organização, os objetivos e os possíveis passos da missão. Conforme a carta, a livre navegação do rio Paraguai era elemento fundamental. “Os precedentes de 1846 e o tratado 1851” que dariam ao Império o direito de exigir a livre navegação no rio Paraguai eram os tratados entre o império do Brasil e a república do Paraguai, quando do combate ao governo de Juan Manuel de Rosas da Argentina.

 

A carta referia-se à presença de um almirante e de um ministro inglês, cujos nomes não foram mencionados e possivelmente de um diplomata francês “M. de S. Georges” [Saint Georges]. O almirante britânico que chegou ao Rio de Janeiro em 6 de outubro de 1854 estaria disposto a ir ao rio da Prata e “mandar” uma embarcação ao Paraguai. Na correspondência os representantes anglo-franceses buscavam a paz.

 

Em 14 de abril de 1855, o Jornal do Commercio, importante periódico carioca fundado em 1827,  noticiou que o vapor inglês Wixen e o francês Flambeau iriam de Buenos Aires para o rio Paraná para “serem testemunhas oculares dos acontecimentos no rio da Prata. Parece que os gabinetes de S. James e das Tulherias participarão.”[24] Registre-se o conhecimento anglo-francês na expedição naval imperial, embora não seja ainda possível definir exatamente o interesse das duas nações.

 

Fundado em 1853, em Assunção, pelo ministro paraguaio Juan Andrés Gelly, o jornal El Semanario foi veículo oficial do governo Carlos Antonio López até 1857.[25] O periódico publicava diversos documentos do governo. Em 2 de dezembro de 1854, oito dias  antes da esquadra partir do Rio de Janeiro, o El Semanario noticiou trecho de uma carta sobre a expectativa que se tinha em São Borja para a chegada de tropas imperiais e a consequente invasão do Paraguai. A notícia possuía o título de “San Borja”.

 

El comerciante Italiano D.N. tuvo a bien referirme que el Coronel Correa noticioso de su llegada en San Borja, lo hizo llamar, y le preguntó si es verdad que el Gobierno del Paraguay está reuniendo fuerzas para mandar contra el Brasil, y que le contesto que sin duda todo seria falso, por que no sabe que se haga ninguna prevención en el Paraguay contra el Brasil: que entonces le digo el Coronel brasilero que en pocos días llegara el punto de San Borja una fuerza de dos mil hombres que estaba aguardando, y que la escuadra brasilera está determinada para subir y invadir  al Paraguay por el Paraná [….].[26]

 

Em 2 de dezembro de 1854, portanto, a informação sobre o possível ataque imperial era revelada a população paraguaia. Em 3 de outubro de 1854, o governo paraguaio emitiu regulamento de navegação fluvial que dava indícios que ele já estava ciente de uma possível ação naval hostil. A lei proibia a navegação de embarcações de guerra, de qualquer nação, no rio Paraguai e seus afluentes.[27] O governo paraguaio se precavia com o uso de normas do direito internacional ante uma possível e, no caso, iminente agressão estrangeira. A carta divulgada em 2 de dezembro, cujo alguns nomes foram ocultados na publicação do El Semanario, está entre as “varias cartas respecto a la invasión brasilera”.

 

Em 21 de novembro de 1854, Mariano Centurion, capitão da comandância de Encarnación, teria obtido informações do comerciante italiano dom Ambrosio de Andréa. O comerciante teria dito que, quando em São Borja, o coronel imperial Correa lhe perguntara se haveria organização de forças paraguaias para atacar o Brasil, o que ele respondeu não ser certo, por não haver prevenção no Paraguai contra aquele país. O mesmo coronel lhe informara que o Império reunira forças e invadiria o Paraguai. “el Coronel brasilero [dijo] que en pocos días llegara a ocupar el punto de San Borja una fuerza de dos mil hombres que estaba aguardando, y que la escuadra brasilera está determinada para subir á invadir  al Paraguay por el Paraná.”[28]

 

A vila de Encarnação [Itapúa], localizada na margem direita do rio Paraná, no sul do Paraguai, e São Borja, localizada na margem esquerda do rio Uruguai, no sul do Brasil [Figura 3], foram fundadas no século 17 pelos jesuítas espanhóis. Distantes a cerca de 200 quilômetros, os povoados mantiveram importante atividade comercial desde o período colonial. Itapúa fora via comercial autorizada e apoiada pelo doutor Francia, também para contrabalançar o controle portenho no Prata.[29]

 

Figura 3: mapa do sul do Paraguai; província de Corrientes [Argentina]; Rio Grande do Sul [Brasil]

 

 

Fonte: Richard A. White, La primera revolución popular en América: Paraguay [1810-1840], 2 ed. Asunción, Carlos Schauman, 1989. pp. 5. [adaptado]

 

Na obra La primera revolución popular en América, escrita em inglês em 1970, o historiador estadunidense Richard Alan White destaca a grande importância do comércio entre São Borja, na fronteira oeste da província do Rio Grande do Sul, e Itapúa na fronteira sudeste do Paraguai. Segundo o autor, durante o século 19, houve uma invasão de comerciantes brasileiros a Itapúa [ou Encarnación de Itapúa – Figura 4]. Eles trocavam diversos artigos sendo que os mais comuns eram aguardente, couro, erva-mate, fumo e pólvora. O cenário muitas vezes tenso que caracterizou a fronteira norte do Paraguai com a província de Mato Grosso não repercutiu no sul.[30] Dessa forma comerciantes brasileiros e paraguaios formaram uma importante rede de comunicações conforme registra a correspondência.[31]

 

Figura 4: rua principal de Villa Encarnación, 1892.

 

Fonte: Diário de D. Pedro Serié. Revista Geográfica Americana, Buenos Aires, Nº 27, dezembro de 1935. Fotos originais de E. C. Moody. Apud:http://www.histarmar.com.ar/InfHistorica/ExpCientParaguay1892.htm

 

Em 24 de novembro de 1854, o capitão paraguaio de Encarnación Mariano Centurion enviou correspondência ao presidente paraguaio. O comerciante brasileiro Francisco Ignácio de Almeida informou ao militar paraguaio que o governo Imperial mandou fazer uma exploração entre os rios Uruguai e o Paraná, e que sairia tranquilamente de Corrientes. O capitão solicitou um mapa de todas as províncias, provavelmente argentinas. Ele foi atendido com mapa de “má qualidade”.[32] O referido comerciante brasileiro e o militar paraguaio tinham boas relações pessoais.

 

Em 16 de dezembro de 1854, o militar sempre bem informado repassou importantes informações ao governo do seu país. Dom Francisco Ignácio de Almeida, comerciante brasileiro, em conversa com Mariano Centurion, afirmou que o informaria caso soubesse de algo em São Borja. “el […] comerciante brasilero Don Francisco Ignacio de Almeida, […] he tenido la confianza de encargarle que si hubiese algún movimiento en San Borja de cualquier invasor que intentase venir contra la República [del Paraguay]”.[33]

 

Mariano explicou que confiava em Francisco. Em carta remetida da vila de Encarnación [Itapúa], onde possivelmente morasse Francisco, um sobrinho seu, escrevendo de São Borja, avisou que lá não havia nenhum movimento. A correspondência foi mostrada ao comandante de Encarnação. Até 16 de dezembro de 1854 não haveria tropas em São Borja. O intercâmbio comercial facilitava a circulação de informações.

 

O comerciante brasileiro Francisco Ignácio de Almeida foi avisado, via correspondência, por seu sobrinho, morador de São Borja, e por Jacinto Ponce que não haveria nenhuma reunião naquela vila. Foram mencionadas outras cartas que afirmavam inexistir movimentações de tropas em São Borja.

 

Francisco Ignacio de Almeida afirmou ter mostrado as cartas ao comandante – não referido – daquela vila. “pode V[osmecê]. aseverar ao Exmo governo que não há indícios algum de reunião, além da minha carta vieram mais cartas, em nenhuma conta nada a minha até mostrei ao senhor comandante de desta Vila”[34] Por fim ele garantiu estar pronto para defender a república do Paraguai. Eram intensas as relações entre militares e comerciantes na fronteira sul do Império e do Paraguai.

 

Possivelmente brasileiro, o comerciante Nemesio Ferreira recebeu uma carta que revelava que alguém próximo ao tenente Amancio Barreto teria uma indisposição com ele, por isso retardaria o retorno a Encarnação até que o tempo justificasse sua inocência. Nemesio pedia ocasiões para provar sua vontade e desejo em servir ao tenente paraguaio. “Sin otro motivo para incomodar su atencion; le Suplico se digne facilitarme ocasiones en q[ue] yo pueda provarle mi voluntad, y el deceo q[ue] tengo de ser de señ[or] umilde servidor.”[35] Ao final da carta, o comerciante afirmou ter enviado dinheiro ao senhor Cantero para que ele pagasse e cobrasse as obrigações que ele deixou na comandância. A iminência da guerra alterava as relações pessoais e prejudicava os negócios.

 

O comerciante paraguaio Estanislada demonstrou preocupação com os negócios diante da possibilidade da guerra ter início. “La división [de São Borja] a tenido orden de aprontarse y el Paraguay es el objeto de estos preparativos dentro de muy pocos días sí te descuidas quedas encerrado[,] tratas de hacer todo lo que puedas.”[36] Em 4 de dezembro de 1854, a divisão militar de São Borja estaria em condições de se mover o que significa que haveria positivamente tropas no local, mobilizadas para eventual intervenção no Paraguai. Estanislada temia o início da guerra e o consequente fechamento das fronteiras. Propunha liquidar os negócios pendentes rapidamente. Ele alertava: “No desprecies esta aviso este bastante sigiloso y producente p[or] q[ue] aquí mismo casi todos abren tamaño ojo [y] ven nada.”

 

Navegar é difícil

 

A expedição naval teve no mínimo 22 embarcações, mas pode ter chegado a 36 barcos! O poder de fogo da esquadra comportava cerca de 150 canhões carronadas, obuses e Paixhans [Tabela 1].[37] As armas tinham bom poder destrutivo e poderiam causar danos pesados aos seus alvos. A força bélica era impressionante para a época. Porém, as bocas de fogo só seriam adequadas ao combate caso a esquadra conseguisse transportá-las até Assunção.

 

Tabela 1: características da esquadra imperial de 1854-5

 

Em 1854-5, a esquadra imperial teve enormes dificuldades no deslocamento pelos rios Paraná-Paraguai. Em 20 de fevereiro de 1855, após 72 dias da viagem iniciada em 10 de dezembro, a esquadra finalmente chegou à fronteira com o Paraguai. Em Cerrito, nas proximidades de Três Bocas, fronteira do Paraguai com a província argentina de Corrientes, o capitão paraguaio Pedro Ignazio Meza advertiu ao chefe-de-esquadra e plenipotenciário imperial Pedro Ferreira de Oliveira para que ele se dirigisse a Assunção em uma só embarcação ou teria início imediato os confrontos.[38] O almirante aceitou a intimação, pois suas instruções também recomendavam a ele se dirigir sozinho para Assunção. A esquadra atacaria o Paraguai depois das negociações diplomáticas fracassarem.[39]

 

Porém, a esquadra imperial navegava sob muitas dificuldades.[40] O exército paraguaio, de 6 mil soldados, teria detido o avanço da esquadra imperial na embocadura do rio Paraguai e impôs sua retirada a meia légua das águas paraguaias permitindo somente um barco, o Amazonas, prosseguisse ao porto de Assunção. Entretanto, o navio encalhou no trajeto sendo rebocado pelos paraguaios. Antes mesmo de começar as negociações o representante imperial fora derrotado. “El almirante inicia su misión con mala fortuna. Al empezar queda moralmente vencido.”[41]

 

Pedro Ferreira de Oliveira se deslocaria a Assunção a bordo da fragata Amazonas [Figura 5]. Fabricada em 1851, em Liverpool, na Inglaterra, a Amazonas chegou ao Brasil em 1852.[42] Ela possuía mais de 50 metros de comprimento, capacidade de transportar cerca de 400 tripulantes e 6 canhões; poderia desenvolver velocidade de até 10 nós [cerca de 18,5 quilômetros por hora (km/h)].[43] No entanto, a embarcação seria pesada e navegaria a aproximadamente 13 pés – 4 metros de calado – no rio da Prata, com baixa velocidade, ou seja, era imprópria a navegação fluvial.[44] Ao entrar nas águas paraguaias, o navio Amazonas encalhou, causando inconveniente e constrangimento ao representante imperial que foi obrigado a obter ajuda dos paraguaios para o desencalhe. O comandante imperial prosseguiu na corveta Ipiranga.[45]

 

Em 20 de fevereiro de 1855, na guarnição de Cerrito, ocorreram os primeiros contatos entre o comandante da expedição imperial Pedro Ferreira de Oliveira e o governo paraguaio representado pelo capitão Pedro Ignacio Meza. Mesmo argumentando que estava em missão pacífica, Pedro Ferreira de Oliveira ameaçou que a esquadra imperial, “em até seis dias”, forçaria a subida do rio Paraguai, rumo à Assunção: “el abajo firmado aguardará en el punto en que se halla con la escuadra de su comando la respuesta de nota, seis días, contados desde hoy à las 12 del día; vencidos los cuales seguirá su marcha hasta la Asunción, donde presentará sus plenos poderes”.[46]

 

Em 23 de fevereiro de 1855, o ministro de relações exteriores do Paraguai, José Falcón, respondeu a Pedro Ferreira de Oliveira lamentando que sem apresentar nenhuma queixa o Brasil atacava o Paraguai. Mas, o ministro acenava para a possibilidade de negociações, caso “[Pedro] Ferreira de Oliveira si retira su flota de aguas territoriales paraguayas y sigue hacia Asunción en una sola embarcación.”[47]

 

Figura 5: Fragata Amazonas na guerra contra o Paraguai, em 1865

Fonte: Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro. Passagem de Cuevas, 12 de agosto de 1865. Coleção guerra do Paraguai. [adaptado]

 

O ministro paraguaio José Falcón afirmou que desde agosto de 1853, quando o ministro imperial Felipe José Pereira Leal fora expulso da capital paraguaia, até 21 de fevereiro de 1855, o Império nunca reclamara nada ao governo do Paraguai. Este governo estaria disposto a explicar que o incidente com o cônsul brasileiro, Felipe José Pereira Leal, não fora ofensivo ao Império, quando chegaram anúncios que o governo imperial preparava uma expedição naval e reunia exércitos nos territórios de Misiones, província Argentina, com destino ao Paraguai.

 

Mesmo que a preparação bélica do Império em direção a Assunção fosse um ato de guerra, o governo paraguaio, em busca de ajustar as questões pendentes com o Império, se dispôs a receber Pedro Ferreira de Oliveira. O representante imperial optou pela diplomacia. Em 26 de fevereiro de 1855, ele respondeu ao ministro paraguaio, José Falcón concordando em retirar a esquadra das águas territoriais do Paraguai e seguir a Assunção em um só navio, no dia seguinte, para apresentar suas credenciais.[48]

 

Em 15 de março de 1855, a bordo da corveta Ipiranga, Pedro Ferreira de Oliveira finalmente chegou a Assunção! A viagem atrasou devido às dificuldades de navegação que o fizeram abandonar a fragata Amazonas [capitânia], encalhado no rio Paraguai. Em 24 de março, no porto de Assunção, foi realizado desagravo formal à bandeira imperial, com 21 tiros cerimoniais, em atenção à expulsão do ministro imperial, na capital paraguaia, Felipe José Pereira Leal, ocorrida em agosto de 1853. O vapor de guerra Ipiranga também saudou o pavilhão paraguaio com os mesmos 21 tiros.[49] Ao conseguir as desculpas oficiais do governo paraguaio pelo “incidente Leal”, a missão imperial alcançou um dos seus objetivos, talvez o menos importante deles. A obtenção da livre navegação pelo rio Paraguai, porém, seria bem mais complicada.

 

Em 29 de março de 1855, Pedro Ferreira de Oliveira apresentou as credenciais de plenipotenciário imperial ao Ministério das Relações Exteriores do Paraguai, em Assunção, iniciando em 3 de abril as negociações com a diplomacia paraguaia. Francisco Solano López [1827-70] foi o representante paraguaio designado para realizar os tratados de comércio, navegação e limites com Pedro Ferreira de Oliveira.

 

 

O tratado de 27 de abril de 1855 e a condenação da “missão Pedro Ferreira de Oliveira”

 

Em 27 de abril de 1855, após três semanas com oito conferências diplomáticas realizadas em Assunção, o almirante chefe-de-esquadra Pedro Ferreira de Oliveira, representante do império do Brasil, e o Ministro da Guerra general Francisco Solano López, representante da república do Paraguai, assinaram tratado de amizade, comércio e navegação, com 21 artigos, e uma convenção adicional sobre limites, com cinco artigos.[50] Os acordos revelaram o reconhecimento de pleno direito do governo paraguaio sobre o rio Paraguai na parte em que ele atravessa o seu território e adiava a definição das questões de fronteira para até um ano.

Figura 6: Chefe-de-esquadra Pedro Ferreira de Oliveira [1801-60]

 

Fonte: Henrique Boiteux: Os nossos almirantes, Rio de Janeiro, Imprensa Naval, 4. vol. 1915, pp. 151.

 

O acordo de 27 de abril, portanto, não resolveu as questões pendentes entre os dois Estados, pois ficou aquém das exigências imperiais. Em julho de 1856, após longa discussão parlamentar, o governo imperial desautorizou os acordos pactuados por seu representante, insistindo no direito pleno de navegação, ao igual do concedido pela Argentina e Uruguai, e nas suas exigências territoriais.[51] No acordo, o Paraguai não se opunha à navegação nos seus rios interiores, sob seu controle, contanto que as questões territoriais fossem redefinidas, em até um ano, o que o Império de maneira alguma concordava, a não ser sob suas exigências.[52]

 

Segundo Efraim Cardozo as negociações diplomáticas entre Francisco Solano López e Pedro Ferreira de Oliveira resultaram em uma completa vitória paraguaia. O representante paraguaio concedeu a livre navegação com limitações e condicionada ao ajuste das fronteiras que deveria efetuar-se no prazo de um ano. O referido autor assinalou que a questão de fronteiras para o Paraguai era uma questão de independência.[53]

 

 

Pedro Ferreira de Oliveira foi prudente. A esquadra navegando a baixa velocidade e os navios com casco de madeira seriam alvo fácil as defesas paraguaias preparadas ao longo do rio Paraguai. Historicamente, a imagem do comandante e ministro imperial Pedro Ferreira de Oliveira foi arranhada pelos resultados da expedição de 1854-5. As consequências da expedição, no entanto, parece-nos mais complexas e merecedoras da nossa atenção.

 

 

De modo geral, se incompreende o que representou essa expedição. Um fracasso da ofensiva imperial certamente arriscaria o status obtido pelo Império na batalha de Monte Caseros, em 1852. A política expansionista sobre os países platinos poderia chegar ao fim com o naufrágio da esquadra. Um revés militar na expedição fragilizaria o Império no Prata. Com a inanição da esquadra o insucesso dela era iminente.

 

Entretanto, no Império fora criado um clima psicológico favorável à intervenção naval no Paraguai, a qualquer custo, com certeza de vitória imperial. “sabemos que o material [das baterias paraguaias] é pouco e imperfeito, [as] pessoas [são] despreparadas, teremos perdas sensíveis”.[54] Em 1854-5, o império do Brasil perdeu a hegemonia no Prata, o Paraguai conseguiu conter a ofensiva imperial, mas, no entanto, o Império conservou sua política expansionista que se desdobrou na guerra de 1864-70. Apoiando-nos nas ideias do comunista italiano Antonio Gramsci [1891-1937] compreendemos por hegemonia a imposição de uma unidade consensual sobre determinada estrutura.[55] No caso que analisamos, para o Império obter a sua hegemonia sobre os países do Prata seria desnecessário destruir Assunção a canhonaços, contanto que seu potencial bélico fosse inquestionável. O que, como vimos, não ocorreu.

 

Considerações finais

 

Entre 1840-55, o império do Brasil se consolidou internamente e pretendeu impor sua hegemonia sobre os países do Prata. O Império procurou a todo custo obter a livre navegação da bacia platina para participar daquele próspero comércio e assegurar a sua unidade territorial. Nos 1850, o Império impôs sua hegemonia sobre o Uruguai e sobre as regiões argentinas. Em 1854-5, quando tentou submeter o Paraguai pelas armas e pela diplomacia, o Império sofreu contundente derrota explicada de modo pífio pela historiografia.

 

A expedição naval imperial ao Paraguai, em 1854-5, está nas origens da guerra de 1864-70. Guerra que envolveu Argentina, império do Brasil, Paraguai e Uruguai e que pode ter sido responsável pela perda de mais de 300 mil vidas. Embora existam numerosos estudos sobre as origens do maior conflito sul-americano, a historiografia brasileira desconsidera a expedição de 1854. Talvez a memória nacional-patriótica brasileira sobre a “guerra do Paraguai”, que salienta os feitos militares e heróis nacionais, tenha sufocado as análises sobre este evento.

 

O silêncio da referida historiografia nacional-patriótica brasileira, rica em volume de produções, resulta do incômodo a um historiador nacional de estudar uma ofensiva do seu país contra uma pequena nação soberana que teve desfecho extremamente desfavorável. Sobretudo, destacar a expedição de 1854-5 significava e significa assinalar a intenção imperial de resolver através da força seus problemas com o Paraguai. Realidade que liquida com a retórica sobre um Império agredido, de surpresa, sem nenhuma razão, pelo Paraguai, após a sua intervenção no Uruguai, em 1864. Utilizando uma linguagem jurídica poderíamos definir a expedição de 1854-5 como um “crime por motivo fútil”, pois ninguém mobiliza uma operação de guerra para responder a expulsão de um diplomata.

 

A defasagem de estudos sobre a expedição também prossegue na historiografia platina, talvez pelas dificuldades de encontrar fontes. Dentro das nossas limitações, entrelaçamos algumas fontes imperiais e paraguaias sobre o tema para resgatar a sua discussão evitando que a expedição permaneça em verdadeiro naufrágio historiográfico. A análise das cartas da “invasão brasileira” nos possibilitou perceber a comunicação de comerciantes e militares na fronteira meridional do Brasil-Paraguai; registrou-se a eficiente rede de informações paraguaia; o relativo despreparo do exército paraguaio para enfrentar uma guerra do porte que se avistava; a movimentação de militares na província do Rio Grande do Sul e o singular contato entre os povoados jesuíticos de Encarnación de Itapúa e São Borja.

 

A guerra do Paraguai, ou da Tríplice Aliança, teve início somente em 1864, quase uma década após a malograda “missão Pedro Ferreira de Oliveira”. No interregno de 1855-64, houve a preparação do governo imperial e do governo paraguaio para a inevitável guerra que fora desenhada com a contenção da ofensiva imperial, em 1855. “Os governos de ambos os países estavam conscientes de que a guerra era iminente [1856].”[56]

 

O “êxito” das tropas imperiais nas batalhas da guerra de 1864-70 pode ter relação com os equívocos da operação naval de 1854-5 no Paraguai. Assim de um possível desastre diplomático a referida expedição pode ser entendida também como um desastre militar que, porém, serviu de aprendizado aos anseios bélicos do Império em 1864-70. Em 1854-5, apesar de o Paraguai conter a ofensiva imperial, a política expansionista do império do Brasil foi conservada. Caso a esquadra fosse derrotada, o Império se enfraqueceria no Prata e se enfraqueceria o status obtido em Caseros.

 

Portanto, a missão não foi um total desastre político e/ou diplomático. A expedição naval imperial ao Paraguai, de 1854-5, expôs as contradições dos governos do Império e do Paraguai. O poder militar mobilizado para invadir uma nação soberana não tinha, por sua dimensão, até então, precedentes na história de 350 anos do Brasil. A operação não teve tiros, nem mortos. Ela teve uma campanha militar abortada devido à estratégia inadequada adotada pelo Império. As batalhas foram adiadas e os acordos foram débeis. A esquecida missão Pedro Ferreira de Oliveira explodiu em 1864, por isso foi a espécie de primeira guerra do Paraguai, que, não teria se efetivado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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NOTAS

* El presente trabajo ha sido presentado en el Congreso Internacional de la Asociación de Historiadores Latinoamericanos y del Caribe (ADHILAC Internacional) “La formación de los Estados latinoamericanos y su papel en la historia del continente” realizado del 10 al 12 de octubre de 2011 en el Hotel Granados, Asunción, Paraguay, organizado por Repensar en la historia del Paraguay, Instituto de Estudios José Gaspar de Francia, Asociación de Historiadores Latinoamericanos y del Caribe, Centro Cultural de la Cooperación “Floreal Gorini” (Argentina). Entidad Itaipú Binacional. Mesa:  Repensar la historia del Paraguay: de la independencia a la Guerra de la Triple Alianza y su repercusión continental.

** Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo [UPF]- Rio Grande do Sul, Brasil. Bolsista UPF. Professor de História da rede pública de Passo Fundo.
[1] Mário Maestri, Uma história do Brasil: Império, São Paulo, Contexto, 2002, pp. 51.
[2] Cf. Robert Conrad, Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil, Rio de Janeiro: Brasiliense, 1985.
[3] Juan Bautista Alberdi, La guerra del Paraguay, Asunción, Intercontinental, 2001, pp. 77-78. A obra reúne diversos textos do autor sobre o contexto que antecedeu o conflito, escritos entre 1870-1880.
[4] Charles Boxer, A idade de Ouro do Brasil: dores e crescimento de uma sociedade colonial, São Paulo, Cia editora nacional, 1969, pp. 33-36.
[5] Juan Bautista Alberdi, La guerra […]. Ob. Cit. Pp. 78.
[6] Hipólito Sánchez Quell, La Diplomacia Paraguaya de Mayo a Cerro-Corá, Buenos Aires, KRAFT, 1955. pp. 84-87.
[7] Cf. Oscar Creydt, Formación histórica de la nación paraguaya, 3 ed. [1. ed. 1963] Asunción, Servilibro, 2007.
[8] Luiz Alberto Moniz Bandeira, O Expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na bacia do Prata, Brasília, UNB, 1998, pp. 75-83.
[9] Richard Alan White, La primera revolucion popular en América: Paraguay [1810-1840], Asunción, Carlos Schauman, 1989, pp. 283.
[10] Ramón José Cárcano, Guerra del Paraguay: Orígenes y causas, Buenos Aires, Domingo Viau, 1939, pp. 194-195.
[11] Gregorio Benites, Anales diplomático y militar de la guerra del Paraguay, Asunción, Muñoz Hnos, 1906.
[12] Idem. pp. 55-59.
[13] Ramón José Cárcano, Guerra del Paraguay: Orígenes y causas, Buenos Aires, Domingo Viau, 1939, pp.  194; Hipólito Sánchez Quell, La Diplomacia paraguaya de Mayo a Cerro-Corá, Buenos Aires, KRAFT, 1955. pp. 111-112; Luiz Alberto Moniz Bandeira. O Expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na bacia do Prata, Brasília, UNB, 1998, pp. 84; José María Rosa: La guerra del Paraguay y las montoneras argentinas, Buenos Aires, Punto de Encuentro, 2008, pp. 39. Et alii.
[14] Álvaro Teixeira Soares, A Diplomacia do Império no rio da Prata [até 1865], Rio de Janeiro, Brandt, 1955, pp. 171.
[15] João do Prado Maia, A marinha de guerra do Brasil na colônia e no Império tentativa de reconstituição histórica, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, 1965, pp. 243.
[16] Joaquim Nabuco, “Política exterior”, “A missão Pedro Ferreira”, In: Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, São Paulo, instituto progresso editorial, 1949, pp. 220-223.
[17] Ibidem.
[18] Júlio José Chiavenato, “O mais progressista país da América do Sul”, “Diplomacia: um aprendizado inócuo”, In: Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai, São Paulo, Brasiliense, 1982, cap. 2, pp. 38-45.
[19] Ibidem.
[20] Ibidem.
[21] Arquivo Nacional de Assunção [ANA], Proclama del Presidente Carlos Antonio López, 21 de febrero de 1855, seção História 314 A, 14 [impresso].
[22] ANA, Varias cartas respecto à la invasión brasilera, seção História, volume 315, número 11, 12 folhas, folha número 2 [frente e verso], 1855.
[23] ANA, Varias cartas […]. Ob. cit. folha 2.
[24] Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro [BNRJ], Jornal do Commercio, 14 de março de 1855, n. 73. As informações eram baseadas na edição de 15 de março do periódico bonaerense La Tribuna.
[25] Efraím Cardozo, Breve historia del Paraguay, 2 ed. Asunción, Servilibro,  2009,  pp. 81.
[26] ANA, El Semanario, 2 de dezembro de 1854, n. 73, p. 03.
[27] ANA, El Semanario, 22 de março de 1855, n. 96.
[28] ANA. Varias cartas […]. Ob. cit. folha 9.
[29] Cf. Raul de Andrada e Silva, Ensaio sobre a ditadura do Paraguai: 1814-1840, São Paulo, Coleção Museu Paulista, 1978. pp. 214-223; Richard A. White, ob.cit. p. 151-176.
[30] Richard A. White, La primera revolución popular en América Paraguay [1810-1840], 2 ed. Asunción, Carlos Schauman, 1989. pp. 151-176.
[31] Quatro cartas sobre “a invasão brasileira”, folhas n. 1, 3, 4 e 11, foram analisadas em: TEIXEIRA, Fabiano B., “Comerciante-informantes sem fronteiras: manuscritos de brasileiros e paraguaios em 1854-5”, Revista Semina. Passo Fundo, vol. 09, n. 01, 2010. Disponível em: <http://www.upf.br/ppgh/ index.php?option=com_content&view=article&id=62%3Arevista&catid= 9%3Asemina&Itemid=3>.
[32] ANA, Varias cartas […]. Ob. cit., folha 10.
[33] ANA, Varias cartas […]. Ob. cit., folha 04.
[34] ANA, Varias cartas […]. Ob. cit., folha 11. A ortografia foi modernizada.
[35] Idem. folha 01.
[36] Idem. folha 03.
[37] ANA, El Semanario, 13 de março de 1855, n. 91; ANA, El Semanario, 16 de maio de 1855, n. 108; BNRJ, Jornal do Commercio, 23 de dezembro de 1854, n. 354.
[38] Joaquim Nabuco, Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, São Paulo: instituto progresso editorial, 1949, pp. 220.
[39] Hipólito Sánchez Quell, La Diplomacia paraguaya de Mayo a Cerro-Corá, Buenos Aires, KRAFT, 1955. pp. 112.
[40] Efraím Cardozo, Vísperas de la guerra del Paraguay, Asunción, Carlos Schauman, 1954, pp. 75.
[41] Ramón José Cárcano, Guerra del Paraguay: Orígenes y causas, Buenos Aires, Domingo Viau, 1939, pp. 194-195.
[42] João do Prado Maia, A marinha de guerra do Brasil na colônia e no Império tentativa de reconstituição histórica, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, 1965, pp. 222.
[43] Júlio Andréa, A Marinha Brasileira: florões de glórias e de epopéias memoráveis, Rio de Janeiro, SDGM, 1955. Apud: <http://www.naviosbrasileiros.com.br/ngb/A/A052/A052.htm>.
[44] Colección Rio Branco [CRB] 1044. Apud: Guido Rodríguez Alcalá, José Eduardo Alcázar. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864, Asunción, Tiempo de Historia, 2007,  pp. 271-272.
[45] Efraím Cardozo, Vísperas de la guerra del Paraguay, Asunción, Carlos Schauman, 1954, pp. 75.
[46] Juan Emiliano O’leary, El Mariscal Solano Lopez, Asunción, Paraguay, 1970, pp. 62.
[47] ANA, El Semanario, 21 de fevereiro. de 1855, n. 85.  [Como a nota era de 23 de fevereiro parece que ela foi publicada antes de ser entregue a Pedro Ferreira de Oliveira]. Apud: Guido Rodríguez Alcalá, José Eduardo Alcázar, Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864, Asunción, Tiempo de Historia, 2007, pp. 275. O documento integral vai até a página 278.
[48] ANA, El Semanario, 1º de março de 1855, n. 86.
[49] Álvaro Teixeira Soares, A Diplomacia do Império no rio da Prata [até 1865], Rio de Janeiro, Brandt, 1955, pp. 176-177.
[50] Guido Rodríguez Alcalá, José Eduardo Alcázar. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864, Asunción, Tiempo de Historia, 2007, pp. 281-287.
[51] Luiz Alberto Moniz Bandeira, O Expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na bacia do Prata, Brasília, UNB, 1998, pp. 86-87.
[52] Hipólito Sánchez Quell, La Diplomacia Paraguaya de Mayo a Cerro-Corá, Buenos Aires, KRAFT, 1955, pp. 111-114.
[53] Efraím Cardozo, Vísperas de la guerra del Paraguay, Asunción, Carlos Schauman, 1954, pp. 75.
[54] BNRJ, Jornal do Commercio, 20 de abril de 1855, n. 108.
[55] Cf. Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, Rio de Janeiro, civilização brasileira, 2006. pp. 103-114.
[56] Luiz Alberto Moniz Bandeira, O Expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na bacia do Prata, Brasília, UNB, 1998, pp. 86-87.

 

Ariadna Tucma Revista Latinoamericana. Nº . 7. Marzo 2012-Febrero 2013 – Volumen I

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