O tema da violência na historiografia

Aspectos de um debate

 

Vera Lucia Vieira *

 

Izquierda: Represión en Brasil durante el golpe de Estado de 1964 contra el presidente João Goulart.

 

El presente trabajo reactualiza el debate historiográfico en Brasil acerca de la violencia ejercida por el Estado en América Latina desde una perspectiva histórica. 

* * *

O tratamento da temática da violência nos remete ao universo dos estudos que tratam das relações entre violência e Estado, tanto no Brasil quanto em estudos relativos a esta temática em países latino-americanos. No Brasil, tais estudos podem ser tomados em dois âmbitos fundamentais: os que se referem aos períodos ditos democráticos e os que a analisam nos períodos ditatoriais ou “autoritários”.

 

Nos períodos da ditadura a violência do Estado contra a população põe a nu a luta de classes e as bases de sustentação do regime que ameaça, coíbe, transgride e mata impunemente. Conforme diz o senso comum, é fácil reconhecer o inimigo e embora seja muito difícil contrapor às forças armadas a reação social, as resistências se manifestam de inúmeras formas e qualquer fragilidade do regime ditatorial viabiliza a reação permanentemente latente nos setores oprimidos, resultando em sua queda.

 

No entanto, a violência contra a população, em geral pobre, excluída do acesso às condições de uma vida digna, ou marginalizada dos benefícios do Estado de Direito, se mantém nos períodos de distensão ou de democratização. Confundida com a violência que tem aumentado na mesma proporção do crescimento urbano, esta traduz a perpetuação da exclusão sócio, econômica e cultural que tem caracterizado o capitalismo.[1]

 

As evidências das violências estampadas nos noticiários do presente[2] e as comprovações documentais que as relatam no passado[3] perpassando pelas diversas formas de como o Estado vêm se configurando no Brasil e em outros países latino- americanos[4], comprovam a relevância e a necessidade do aprofundamento de reflexões sobre o tema, ou seja, o sentido que possuem, a ideologia que veiculam, a gênese da forma específica que adquirem nestas sociedades e a função social que cumprem.

 

José Vicente Tavares dos Santos, em seu dossiê sobre as formas de violência nas sociedades latino-americanas contemporâneas, intitulado “Violências, América Latina: a disseminação de formas de violência e os estudos sobre conflitualidades”, considera que

 

“as violências disseminadas pelo espaço social possibilitam a construção de um objeto sociológico, mediante a ótica espaço temporal da conflitualidade (…) que deve ser situada no contexto dos efeitos do processo de globalização da sociedade e da economia, os quais produzem transformações na estrutura e no espaço social das diversas regiões do planeta, desencadeando novos conflitos sociais e novas formas de conflitualidades”.[5]

 

Seu conceito configura-se como dos mais abrangentes, já que incorpora a noção de “violência difusa”, ou seja,

 

“as diferentes formas de violência presentes em cada um dos conjuntos relacionais que estruturam o social podem ser explicadas se compreendermos a violência como um ato de excesso, qualitativamente distinto, que se verifica no exercício de cada relação de poder presente nas relações sociais de produção do social. A idéia

de força, ou de coerção, supõe um dano que se produz em outro indivíduo ou grupo social, seja pertencente a uma classe ou categoria

social, a um gênero ou a uma etnia, a um grupo etário ou cultural. Força, coerção e dano, em relação ao outro, enquanto um ato de excesso presente nas relações de poder – tanto nas estratégias de dominação do poder soberano quanto nas redes de micropoder entre os grupos sociais – caracteriza a violência social contemporânea”.[6]

 

Miriam Abramovay, resgatando os diferentes conceitos que o termo violência tem suscitado, considera que embora a literatura aponte para uma tendência de conceituar a violência de forma mais abrangente do que relacioná-la apenas com atos que imputam danos físicos a pessoas ou grupos de pessoas, o “referente empírico do núcleo desse conceito é a violência física e que esta concepção encontra amparo nos códigos penais e nas perspectivas profissionais – médicas e policiais, por exemplo – quanto ao fenômeno”. Embora o enfoque de seu trabalho seja o de caracterizar a situação de violência em que vivem jovens em situação de vulnerabilidade social, resgata o debate que busca conceituar as diferentes manifestações de violência, desde a física, até a moral, intelectual, individual ou coletiva.

 

“A intenção de ferir, ofender, deliberadamente atingir negativamente o outro seria um constituinte de violência, mas não o suficiente para sua caracterização, (…) já que situações ou formas coercitivas que gerem danos, dor, morte, particularmente quando perpetradas pelo Estado, também pode ser qualificada de violenta. ‘A violência física é que significaria efetivamente a agressão contra as pessoas, já que ameaça o que elas têm de mais precioso: a vida, a saúde, a liberdade’”.[7]

 

Observa-se, de fato, que estudos recentes têm dado cada vez mais relevância a análises e reflexões que tratam da violência no âmbito da cidadania, ou seja, que abordam a questão da violência buscando caracterizar a situação de grupos ou indivíduos em condições do que se denomina “vulnerabilidade social” e, que, nesta condição ficam submetidos à violência e tendem a se tornar também violentos.

 

Denuncia-se o “monopólio público da violência legitimada (…) como ameaça ao desenvolvimento da sociedade democrática”, a que se contrapõem as evidências da fragilidade do exercício da cidadania e a necessidade de se incrementar a apropriação dos direitos humanos pela maioria da população[8], particularmente o direito e acesso à justiça e o caráter discriminatório das leis vigentes nestes países, o que aumenta a marginalidade e amplia a violência. Constitui-se assim um ciclo vicioso de culpabilização mútua: manutenção de altos índices de violência coibidos por aparatos policiais e governamentais que atuam com violência, de que resultam sociedades violentas.[9] Analisa-se a impotência dos aparatos governamentais para coibir ou controlar a violência reconhecida nos atos caracterizados como atentados à segurança de indivíduos ou à sociedade, denominados crimes comuns e pequenos delitos cometidos por infratores, sendo comuns as referências à sua gênese nas condições de excludência econômica, social e civil.[10]

 

Nestes estudos abundam as estatísticas sobre a miserabilidade e as desigualdades sociais, em termos de PIBs e a falta de acesso aos benefícios sociais. Tais dados comprovam a desigualdade socioeconômica que afeta a região e que, no Brasil atinge seus maiores índices em decorrência do denso contingente populacional e da altíssima concentração de renda, reiterando a falta de acesso ao Estado de Direito, no interior do que podemos observar que o preceito da igualdade de todos perante a lei se consolida na máxima dantoniana de que a lei garante as condições da desigualdade.[11]

 

Izquierda: Chile septiembre de 1973. Los detenidos son llevados al Estado Nacional tras el golpe de Estado a Salvador Allende.

 

Embora com menor incidência, têm sido abordados também, em geral em termos de denúncia, os atos praticados quotidianamente pelo Estado, inclusive a manutenção de práticas de tortura, cometidas em espaços institucionais pelo aparato policial e infelizmente aceitas pela sociedade em geral e banalizadas pelos noticiários. Não fosse a ação de algumas e poucas entidades a denunciarem tais arbitrariedades, esta impunidade passaria incólume.[12]

 

Também aqui se observa que, para alguns autores, a prática de obter confissões mediante tortura e a impunidade dos torturadores decorre de fatores vinculados ao próprio aparato coercitivo, ou seja, ao aparato prisional, policial e o judiciário, associando tais práticas à incapacidade do novo Estado democrático de erradicar os maus-tratos impostos a prisioneiros comuns.[13]

 

Alguns, preocupados com a defesa do Estado “democrático”, tendem a considerar que há diminuição da gravidade e do escopo da tortura com a diminuição da “oposição política armada”,[14] ou seja, acabam por reputar à luta armada contra a ditadura, parcelas da responsabilidade pela utilização das torturas como interrogatório.

 

É possível ter acesso, portanto, a análises sobre as evidências do distanciamento entre a lei e a prática, comprovadas pelos abusos dos direitos humanos cometidos pelas autoridades constituídas, que praticam publicamente crimes horrendos,[15] relatados frequentemente pela mídia e pelos meios de comunicação, embora poucas referências se encontrem relativas à análise da impunidade das violações cometidas pelos agentes do Estado, além da constatação das dificuldades em se comprovar a autoria destes crimes.[16]

 

Denunciam-se as desumanas condições de encarceramento em cujas celas apinham-se pessoas condenadas ou não, de diversas faixas etárias, com vivências distintas em termos de contravenções e por onde circulam quase que livremente drogas e os mais variados tipos de entorpecentes. Aí falta assistência médica e de saúde, falta vigilância sobre o quotidiano da vida destas pessoas, em princípio sob a guarda do Estado, ficando estes submetidas à violência sexual e abusos de toda ordem.

 

Os constantes motins e rebeliões são a prova mais cabal de que, mesmo encarcerados em condições degradantes onde se misturam presos por delitos comuns com assassinos contumazes e traficantes reconhecidos, estas pessoas preferem se expor à morte no confronto desigual com policiais armados, com o intuito de chamar a atenção da sociedade para sua condição insustentável.

 

A reação das forças policiais a esses protestos tem-se traduzido, em vários países da região, em massacres cometidos em nome da restauração da “ordem”. Assim como no Brasil, conforme Rodley, “a prisão na América Latina é o espaço da desordem que vem à tona por breves períodos de tempo como consequência das revoltas nas prisões”.[17]

 

Os estudos com os quais estamos dialogando tendem a buscar a gênese deste estado de violência em dois fundamentos básicos: a fragilidade das instituições democráticas, em particular do sistema judiciário e o não exercício de práticas cidadãs, propondo, a partir daí, reformas que diminuam a corrupção e aumentem a segurança, assim como desenvolvam ações para ampliar a consciência social sobre os direitos humanos e o Estado de direito, dentre as quais a educação cidadã ganha relevância.

 

Reputam estes autores que os sistemas judiciários, além de sua inoperância, mantêm uma estrutura e um funcionamento nos termos fixados pelos períodos ditatoriais.[18] No caso do Brasil,

 

“a estrutura material das polícias civil e militar e o recrutamento, a seleção e a formação dos efetivos em conjunto tem um direcionamento antipopular porque mantêm-se praticamente intocada tal como foi concebida pelos ideólogos da Ditadura Militar. Lembremos que as forças policiais dos estados, depois do golpe de 1964, foram colocadas sob tutela do Estado Maior das Forças Armadas. Elas foram definitivamente militarizadas e “nacionalizadas”, isto é, foram reorganizadas em nível nacional com base no conceito de inimigo interno do regime, consagrado na Lei de Segurança Nacional de 1969, a mesma que reintroduziu o banimento e a pena de morte para crimes políticos. Esta concepção mudou a feição do Exército, da Marinha e da Aeronáutica: não tinham mais por missão apenas a defesa da soberania nacional no caso de ataque externo, mas, no âmbito da guerra contra o comunismo, agora sua missão era identificar, perseguir, capturar e eliminar por todos os meios um suposto inimigo, materializado nos milhares de opositores da ditadura. Toda a ação dos DOI/CODI tiveram por base esse princípio organizador. Ele está presente como norma nas polícias militares nos estados da Federação, inclusive no Corpo de Bombeiros, nas Forças Armadas e na Polícia Civil. É preciso lembrar que foi durante a Ditadura Militar que se produziram grupos de extermínio de presos “comuns”, dos quais o Esquadrão da Morte e a Scuderie LeCocq se tornaram emblemas. Por isso mesmo, é preciso lembrar, ainda, que nesta reestruturação deve-se incluir a prática regular de tortura, assassinatos e “desaparecimentos” de dissidentes e opositores que lutaram pelo restabelecimento da democracia no Brasil, muitos dos quais “sumiram” em delegacias “comuns”, em aparelhos clandestinos e em manicômios. É preciso ressaltar essa evidência: a de que a Constituição Federal de 1988 manteve intocada toda essa estrutura”.[19]

 

Esta permanência de mecanismos ditatoriais persiste, embora por vezes se disponha, em vários dos países que analisamos, de um corpo de leis extremamente progressista em termos de direitos humanos.

 

Uma parcela dos estudos aqui mencionados estabelece a relação entre a forma como se compõem os autos processuais e a tortura impingida aos aprisionados pelo Estado que continua sendo a forma mais cabal de obtenção da confissão das pessoas aprisionadas. Constatam também os altos salários dos altos escalões do poder judiciário que contrastam com as condições materiais, administrativos e técnicas das delegacias de bairros e com os valores dos rendimentos dos policiais que atuam nas ruas, corroborando com uma situação que incentiva a corrupção. Tais autores consideram imprescindível que se façam novas reformas nos sistemas judiciários, embora alertem também que a Justiça não é neutra em nenhuma sociedade, sofrendo a influência de grupos com mais condições de atuarem junto aos poderes decisórios governamentais, ajustando-se ao fim a certos interesses sociais e subordinando-se muito frequentemente à manipulação dos políticos.

 

Outros abordam esta questão pelo ângulo das evidências de que se manifesta uma cultura preconceituosa contra a população pobre, vigente tanto na polícia civil quanto na militar, associando-a à desigualdade social, à exclusão socioeconômica atávica que assola estas sociedades.

 

No entanto, ainda são poucos os estudos[20] que resgatam tais evidências em uma perspectiva histórica, buscando entendê-las como expressão de uma particular formação social, na qual a democracia enquanto valor universal se inviabiliza e, mesmo a democracia civil, apregoada pelos iluministas, se compõe de forma restringida. Observa-se ainda que a maior parte dos autores aqui citados são sociólogos,[21] antropólogos,[22] assistentes sociais, da área de política e que, poucos são os historiadores[23] que vêm se dedicando a analisar esta questão atual na perspectiva acima citada. Pois, debruçar-se sobre questões atuais como campo de estudos historiográficos têm levado alguns historiadores a desenvolverem reflexões sobre a pertinência e validade desta perspectiva do ponto de vista teórico, considerando tratar-se de processos em curso cuja “análise corre o risco de ser rapidamente superada pelos eventos que se sucedam”, embora esta questão mereça reflexões à parte.[24]

 

Almeida, analisando as arbitrariedades cometidas pela polícia situa esta perspectiva histórica, particularmente ao falar da prática de torturas e das injustiças judiciárias (pois preso rico não é torturado), bem como a abordagens humilhantes e chantageadoras, que facilmente se transformam em execuções sumárias, como frutos, de um lado, da transposição de um histórico preconceito de classe, que se transmuta, dos escravos para os pobres (a classe de baixo).

 

A visão de mundo que governa as relações entre ricos e pobres não pode integrar nem a ideia de igualdade, nem muito menos a de fraternidade dentro da nação. Os pobres, sobretudo os que ‘não se comportam bem’ no seu lugar de excluídos na ordem, não são irmãos, não são nacionais, são quase que uma outra ‘etnia’, um ‘outro’ a atravancar o ‘melhor do Brasil que são os brasileiros’, ‘o Brasil do futuro’. Tortura e morte é o que merecem.[25] Como diz mais adiante neste seu artigo sobre a mobilização de funcionários de uma instituição de encarceramento de crianças, jovens e adolescentes delinquentes de São Paulo.

 

“Como os defensores de direitos humanos bem sabem, há muita gente, entre jornalistas, políticos, militantes e mesmo autoridades governamentais ou judiciárias, que encaram a tolerância com o flagelo da tortura, como “um problema cultural brasileiro”, difícil de erradicar. (…) Ora, sabemos bem que não é isso. (…) O que uma parte considerável da opinião pública brasileira não tolera é o crime dos pobres contra o patrimônio dos ricos. Nestes casos a tortura é, ou ignorada como um “não-acontecimento”, ou tolerada, quando não incentivada abertamente. E ela só é empregada contra os infratores pobres”.[26]

 

Nesta ótica os pobres são, em princípio, os perigosos e por isso deve-se exercer sobre eles permanente vigilância e controle, colocando-se a salvo os que detêm posses.[27] Caracteriza-se assim, segundo estes estudos, um tratamento discriminatório e desigual por parte da polícia e do sistema judiciário que vêem a regra da lei como um obstáculo, em vez de uma garantia efetiva, ao controle social; eles creditam que o seu papel é proteger a sociedade dos “elementos marginais” por qualquer meio disponível. Conforme Chevigny «a polícia e outras instituições do sistema da justiça criminal tendem a agir como “guardas de fronteiras”, protegendo as elites dos pobres”.[28]

 

A polícia torna-se uma ameaça à população, pois qualquer pessoa é suspeita a partir, muitas vezes, de sua aparência física. As “abordagens”[29] nos bairros mais afastados são frequentes e a qualquer movimento que se considere suspeito, atira-se para matar. São comuns as notícias e os depoimentos de familiares relatando assassinatos deste tipo cometidos por policiais civis e militares.

 

Ainda segundo Chevigny, em alguns países, a polícia tem também poderes especiais, que servem para enfatizar sua independência das leis que governam o resto do sistema penal. Na Argentina, por exemplo, até poucos anos atrás, a polícia federal podia deter uma pessoa por até trinta dias por vadiagem, bebedeira, ou mesmo travestismo. Ao que podemos acrescentar o fato de que, no Brasil o prisioneiro não pode expressar-se publicamente, sendo-lhe cerceado o direito de livre expressão, sob a alegação de que seus relatos sensibilizavam a opinião pública quando expõem sua situação.

 

No Brasil, depois da promulgação da constituição de 1988 muitos crimes cometidos por policiais militares são ainda julgados pela Justiça Militar. Estas cortes, constituídas de oficiais militares e fundamentadas por investigações criminais imprecisas, frequentemente sancionam o uso excessivo da força, inclusive o uso desnecessário de força letal, mantendo-se como enclaves[30] autoritários em regimes pós-ditaduras.

 

Tais evidências nos remetem à constatação do quanto as sociedades latino-americanas[31] tendem a se apresentar como democracias liberais, mas a igualdade de todos perante a lei é regularmente contestada pela distribuição desigual de poder.[32] Resulta daí que, para a maior parte da população, a lei é ameaçadora e um instrumento de opressão.

 

Em que pesem algumas exceções, tais abordagens têm dois pressupostos fundamentes que se evidenciam particularmente nas observações dos autores sobre as soluções possíveis: a de que estes fatos expressam a fragilidade das instituições democráticas ainda em construção e que, portanto, as soluções passam por alterar, no interior da mesma ordem vigente, as políticas que vêm sendo gestadas.[33]

 

Neste sentido, é possível constatar como tais análises tendem a ficar circunscritas ao universo das políticas e denotam o ardil do politicismo conforme o diria José Chasin. Pois, segundo ele, “politizar é tomar e compreender a totalidade do real exclusivamente pela sua dimensão política e, ao limite mais pobre, apenas do seu lado político-institucional”.[34] Expulsa a economia da política ou, no mínimo, torna o processo econômico meramente paralelo ou derivado do andamento político, sem nunca considerá-los em seus contínuos e indissolúveis entrelaçamentos reais, e jamais admitindo o caráter ontologicamente fundante e matrizador do econômico em relação ao político.[35]

 

Politicismo que se evidencia nas análises, mas que traduz, a nosso ver, uma condição inerente à especificidade de nossa formação social. Pois, a governabilidade burguesa, reduzida em sua possibilidade de atuar com autonomia e de cumprir sua função de classe nesta particular forma de regime liberal quanto ao atendimento às demandas sociais (imprescindíveis ao próprio desenvolvimento do capitalismo, sob pena de rompimento da sua própria lógica), reduz sua ação à dimensão do político, enquanto a ordem econômica gerencia a subordinação.

 

As políticas públicas, fundadas na lógica da “integração” da América Latina aos países hegemônicos, significam a permanência dos vínculos sociais, políticos, econômicos, científicos, culturais, diplomáticos e militares na condição de subordinação. Nesta lógica, o Estado – que, classicamente, aparenta ser distinto das forças sociais que o engendram – gesta políticas que não só não atendem às necessidades sociais, mas se contrapõem a elas, atingindo, por vezes, até mesmo os segmentos da burguesia que lhe dão sustentáculo.[36]

 

Aos enclaves autoritários de toda ordem que se perpetuam, tanto institucionais[37] quanto no ideário da população, soma-se a incapacidade das políticas em atender às necessidades sociais em tempos de “democracia”.[38] Além disso, o não reconhecimento da realidade autoritária do Estado autocrático resulta em que estas inoperâncias passem a ser discutidas enquanto políticas ineficientes, reputando-se à política a determinação do desenvolvimento social. Observa-se, assim, a autonomização do político e sua consequente híper acentuação, embora, de fato, isto expresse “seu esvaziamento numa entidade abstrata, a perda de sua concretude e decorrentemente de sua potência e eficácia”.[39]

 

Analisar a violência institucionalizada a partir das ações do aparato policial como expressão de um Estado autocrático, nos remete também ao outro lado da questão, isto é, à necessidade de considerar que as ações consideradas contraventoras também expressam tal ordenamento social, raciocínio que se estende aos movimentos e às lutas sociais.

 

Embora não seja objeto de nosso estudo imediato a análise destes movimentos e lutas na contemporaneidade, uma rápida busca na historiografia que trata do tema nos indica que a mesma tônica pode ser referida aos estudos relativos às lutas sociais ideologicamente configuradas. Tais movimentos ou lutas sociais explicitam suas demandas de forma organizada, através de partidos e organizações diversas e já se configuram enquanto tradições em toda a América Latina, emergindo, submergindo e recrudescendo conforme as circunstâncias e especificidades históricas.[40] Estas lutas e organizações, assim como suas ações, embora sendo objeto de estudos de inúmeros historiadores quando se trata de situá-las enquanto resgate no passado, mantêm-se ainda tangenciais no escopo historiográfico em suas manifestações no presente.

 

Apesar da significativa produção historiográfica sobre o período que antecede a década de 80, ela atesta, particularmente no Brasil, que este não tem sido considerado um tema nobre, merecedor de reflexões mais aprofundadas. Tal situação não se observa, por exemplo, no caso da Argentina em que as reações sociais à crise que afetou aquele país na década de 90, geraram inúmeras reflexões de especialistas de várias áreas, particularmente historiadores.[41]

 

Por outro lado, a abordagem que se evidencia em sua ampla divulgação na imprensa expressa em si o antagonismo de classe inerente às circunstâncias que também fazem emergir esses movimentos e lutas no cenário regional, nacional ou local. Demonizados nas ditaduras que chegam a elevá-los como fatores determinantes dos golpes militares e objeto de suas doutrinas de segurança nacional, nos períodos de distensão social mantém a aura de ameaçadores da ordem, mesmo nos casos em que suas demandas sejam apenas por reformas necessárias à viabilização do próprio capitalismo.

 

Do que podemos deduzir do que até aqui foi exposto, que são vários os indicadores de que estes movimentos e lutas, assim como os atos registrados como crimes comuns são expressões de demandas sociais que, não sendo reconhecidas pelo Estado como tais, sofrem ações repressivas e arbitrárias, tanto em períodos de ditaduras, quanto nas épocas de distensão. E que, ambas as dimensões desta violência expressam o caráter autocrático do Estado.

 

Cabe, a partir desta hipótese, o questionamento que também não é novo na historiografia: sobre a viabilidade da institucionalização da democracia, mesmo nos moldes da preconizada pelas burguesias liberais, a partir dos fins do século XVIII.

 

Chasin, analisando estas circunstâncias no caso brasileiro, comprova de que forma passa-se, ao longo da história deste país, da forma de dominação autoritária para as ditaduras, o que foi recuperado por Ivan Cotrin em artigo em que analisa a lógica que funda a teoria da dependência.[42]

 

Neste contexto e diferentemente do processo de ascensão da burguesia europeia e ordenamento do seu correspondente aparato estatal, a burguesia nacional mostra-se incapaz de promover sua revolução, pois isso demandaria unificar-se internamente e apoiar-se nas forças sociais que exclui. Nesta condição, esta classe, no limiar das necessidades de promover reformas impostas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo, mantém os enclaves autoritários vigentes nos períodos de ditaduras bonapartistas, consolidando a autocracia. Longe ficamos do preceito que as leis são a exteriorização das vontades dos indivíduos como um corpo único, isto é, cidadãos fazendo as leis e se reconhecendo nelas. As leis coagem arbitrariamente os indivíduos, porque impostas de cima para baixo e apenas vigorando conforme a lógica da dominação que expressa uma categoria social cuja potência auto reprodutiva do capital é extremamente restringida, uma burguesia que é incapaz de exercer sua hegemonia e, com isso, incorporar e representar efetivamente os interesses das demais categorias sociais numa dinâmica própria.[43]

 

Inverte-se, portanto, o sentido da violência nos moldes do que apontava Marx no século XIX, ao analisar a emergência do Estado prussiano e a contraposição entre o corpo de leis que era erigido e as atividades costumeiras do povo comum para garantir sua sobrevivência. Deste confronto resulta em que Estado coloca na ilegalidade o que é tido como direito comum, resultando em que: quem faz o bandido é o Estado. E quanto ao seu aparato institucional, reflete o mesmo autor, “El gobierno del Estado moderno no es más que una junta que administra los negocios comunes de la clase burguesa”.[44]

 

Nas diversas especificidades latino-americanas, apenas recentemente e porque impulsionadas pela lógica do capital internacional, a burguesia passou a reconhecer que a absurda exclusão socioeconômica e cultural a que se chegara, era impeditiva da instauração de qualquer democracia, mesmo nos termos assumidos pelos liberais do século XIX. Neste sentido, este elemento da contradição entre os ideais do liberalismo e a sociedade dividida em classes – já percebida por Stuart Mill no início do século XIX – só muito recentemente tem sido reconhecida como uma necessidade imperiosa, embora sem que sejam adotados, de forma concreta, os mecanismos para tanto. Na época, Stuart Mill propunha que as bárbaras condições de exploração haviam se tornado impeditivas da realização da democracia, o que poderia ser eliminado, não apenas pelo processo político democrático, como outros afirmavam, mas pelo desenvolvimento de institutos de integração social como a educação. Com exceção do México e do Chile que, no século XIX a assumiram circunscritas às suas condições específicas, apenas recentemente e totalmente subordinadas à lógica do mercado, além de desvinculada de outras medidas que visem reduzir a desigualdade social, se discute a questão educacional como “o” fator que reverterá esta situação.[45]

 

Nestas circunstâncias, à contradição entre a democracia apregoada pelos iluministas do século XVIII e o liberalismo adotado no século XIX[46] europeu acrescem-se, para os países latino-americanos, os problemas da subordinação e da dependência que se acentuaram como enclaves na conformação dos Estados nacionais e seus desdobramentos ao longo do século XX, adentrando o XXI.

 

O permanente aborto das radicalizações, mesmo burguesas, que poderiam romper com o conservadorismo e liberar as forças produtivas capazes de gestar uma nova ordem, interrompe a concretização de uma processualidade que adquire tons semelhantes na região. Nesta lógica, em nossa historicidade, as leis continuam a ser estabelecidas pelo alto, mediante os acordos definidos em consensos pós-ditaduras[47] que têm como preceito básico, não o atendimento às demandas sociais, mas pelo contrário, a rearticulação do bloco do poder de forma a apaziguar, cooptar e anular as demandas sociais latentes que advinham fortalecidas pelas então recentes mobilizações contra as ditaduras (apesar dos desfalques em suas lideranças cometidos pelas repressões).[48]

 

Não há em nossa formação o exercício da crítica iluminista, isto é, o que incide sobre o objeto criticado, não de forma aleatória, mas fincada em suas raízes sociais no bojo de guerras civis e revoluções e contestações às verdades dogmáticas, fossem estas religiosas ou políticas.

 

Os processos de distensão[49] que re-inserem a autocracia respaldada na institucionalidade constitucional, após os períodos ditatoriais bonapartistas, ocorrem com muita semelhança entre os países latino-americanos submetidos a ditaduras ou autoritarismos. Nestes as lideranças no novo poder concordam em manter preceitos autoritários em nome da segurança nacional, da manutenção da ordem, dos compromissos internacionais assumidos (pagamento das dívidas nos mesmos moldes preconizados).

 

Tais preceitos constitucionais garantiram impunidade aos torturadores permitindo-lhes se manterem em postos e cargos públicos da polícia civil, entre outros.  [50]  Cooptadas as lideranças dos movimentos sociais que passam a integrar os colégios eleitorais, estes corroboram com as candidaturas únicas a serem referendas. São as “concertaciones chilenas”, o “colégio eleitoral brasileiro”, o “acordo para a modernização mexicana”.

 

Não se trata apenas de uma composição, mas da permanente recomposição que se evidencia ao longo da historicidade,[51] de formações que se caracterizam, conforme Chasin, pela via hiper-tardia que gesta o capital atrófico, no qual a burguesia, por sua incompletude de classes, se mostra incapaz de liderar as reformas necessárias ao desenvolvimento do próprio capitalismo fazendo alianças com as classes sociais excluídas que lhe garantiriam a força suficiente para atingir a radicalidade necessária à consolidação da democracia, no nível atingido pelas sociedades desenvolvidas.

 

Caracteriza-se assim um Estado em que as decisões políticas, sejam de ordem social, econômica ou cultural, não conseguem atender às demandas sociais, reordenando permanentemente as mesmas forças dominantes no bloco do poder, mantendo os enclaves autoritários que caracterizam o “cesarismo militar”.[52] Não ocorre o rompimento com a institucionalidade autoritária, onde o acesso ao Estado de direito fica restrito ao voto, em que os guardiões da constituição legalmente constituídos se locupletam na defesa de interesses individuais em detrimento do interesse público e, nestas circunstâncias não se gestam as forças sociais capazes de conduzir as ações para a radicalidade.

 

Neste sentido, não se trata apenas de uma perspectiva autoritária que –, conforme bem o aponta Maciel ao analisar tais permanências no período pós-ditadura brasileira –, limita as pressões dentro da ordem e exclui ou pacifica as pressões contra a ordem. O que, ainda segundo ele, “ocorreu tanto na esfera de representação direta de suas diversas frações no interior da sociedade política, quanto na esfera de representação burocrática, com o deslocamento dos militares da função cesarista de direção política do Estado e do bloco no poder para a função de tutela, permitindo a composição pelo alto.”[53] Trata-se sim, de garantir a institucionalidade autoritária que caracteriza estas formações sociais.

 

Enquanto o capital “concluso pode contemplar, em sua autonomia estrutural, amplas parcelas das categorias subalternas, elevando-as no plano das condições materiais de vida; nas formas do capital inconcluso, as formações típicas da via colonial de objetivação capitalista, em face de seu retardo histórico, antepõem de modo excludente, permanentemente, evolver nacional e progresso social. É graças a esta determinação histórica, a sua incompletude de classe, que se constitui o capital atrófico e subordinado, com suas características egoísticas e exclusivistas”.[54]

 

Esta composição pelo alto que, em face da mobilização das classes excluídas considera uma grande concessão a abertura à representação eleitoral, não transita da ditadura para a democracia, mas sim das ditaduras para as autocracias.

 

NOTAS

*Prof. Dr. Pontificia Universidade Catolica de Sao Paulo. Brasil.
[1] FRANCISCATTI, K. V. S., Violência, preconceito e propriedade. Um estudo sobre a violência a partir da teoria crítica da sociedade. São Paulo. S/n., 1998. 

 

[2] Cadernos Adenauer II. n°1. A violência do cotidiano. São Paulo. Fundação Konrad Adenauer. Março. 2001.

 

[3] Neste sentido ver estudos de: REZENDE, P. A harmonia propagada pelo despotismo: as ideologias do governo Vargas sustentadas pelo seu Ministério da Guerra (1935 a 1940); PETRINI, L. A. Contraventores e trabalhadores! Uma leitura dos processos sobre homicídio cometidos por trabalhadores pobres em São Paulo nos anos de 1937 a 1945; SOUZA, A. M. da S. Um ideal de prática educacional democrática entre a autocracia do Estado e o corporativismo do sindicato, e ONODERA, I. Estado e violência: um estudo sobre o massacre do Carandiru. Integrantes do CEHAL. (mestrandos sob orientação de Vera Lucia Vieira).

 

[4] VICÁRIO, G. Militares e política na América Latina. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1979; ROCA,G. Las dictaduras militares del cono sur. Buenos Aires. El Cid. 1984; SADER, E. Um rumor de botas. São Paulo. Polis. 1982; AGUIRRE, C. and BUFFINGTON, R. (eds). Reconstructing Criminality in Latin América. Scholarly Resources. 2000.

 

[5] In Sociologias, n° 8, July/Dec., Porto Alegre. 2002.  (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222002000200002)

 

[6] Ibid.

 

[7] ABRAMOVAY, M. et alii. Juventude, Violência e Vulnerabilidade Social na América Latina: desafios para Políticas Públicas. Brasília. UNESCO/BID. 2002, pp. 28 a 33 in:

http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127138por.pdf;

[8] ABRAMOVAY, M. opus cit.

 

[9]Constatando o aumento da violência cotidiana no Brasil após a década de 80, MESQUITA NETO demonstra que a resposta ao aumento da criminalidade e da violência foi o aumento do número de agentes empregados em serviços públicos e privados de segurança e na quantidade de recursos investidos em serviços de segurança. Apesar de não existir ameaças ao Brasil, no período de 1985 a 1995 o número de policiais militares e civis e guardas municipais aumentou 45,4%. O número de policiais civis aumentou 26,8% de 1982 a 2000 só no Estado de São Paulo”, que é o mais populoso do país” MESQUITA NETO, P. “Crime, violência e incerteza política no Brasil” in Cadernos Adenauer II. A violência do cotidiano. n° 1. São Paulo. Fundação Konrad Adenauer. Março. 2001, pg. 31/32. Também observam os autores o aumento dos gastos com militarização não apenas das forças armadas, mas também da polícia civil. COGGIOLA, Oswaldo. Governos Militares na América Latina, São Paulo. Editora Contexto. 2001, pp. 37-38. Existem inúmeros estudos sobre a violência nos outros países latino-americanos. Mas apenas a título de exemplo, podemos citar o artigo de Pierre Salama, “La violência lationamericana vista por los economistas” in Revista Ciclos, en la história, la economia y la sociedad. n° 24. año 2002. Faculdad de Ciências Econômicas. Univ. Buenos Ayres. 2002.

 

[10] PINHEIRO, P. S. (org.), O Estado de Direito e os Destituídos na América Latina, CDRoom, Núcleo de Estudos sobre a Violência, USP/SP, 2004; VELHO, G. “Violência e Cidadania” in Dados. Revista de Ciências Sociais. v. 2 3 n° 3. 1980; CALDEIRA, T. «The Paradox of Police Violence in Democratic Brazil». Ethnography. Vol. 3. No. 3. 2002.

 

[11] Refiro-me ao debate mantido entre Danton e Robespierre no período da Convenção, no qual o primeiro questiona o preceito de que a igualdade seria garantida pelos preceitos legais, na ordem liberal.

 

[12] Muito recentemente e funcionando ainda de forma incipiente pode-se obter informações, documentos e denúncias de torturas, impunidade e arbitrariedades policiais em alguns sites, como é o caso do mantido pela entidade Observatório das Violências Policiais-SP. Apenas a título de ilustração dentre os inúmeros citamos alguns: “Moça que tenta roubar xampu é torturada dentro de carceragem sob responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública e perde o olho direito. 30 de junho de 2004. (…) Casal é torturado em sua própria casa, na Vila Arriete (zona sul de São Paulo) e depois o marido é assassinado dentro do 99º Distrito Policial, de Campo Grande (zona sul de São Paulo. 24 e 26 de fevereiro de 2004 – Cinco jovens são torturados para confessar o roubo inexistente de um carro, em São Bernardo. 18 de fevereiro de 2004.(…) Morte por tortura, como “queima de arquivo”, de Fernando Dutra Pinto no CDP Chácara Belém 11  (zona leste de São Paulo). 2 de janeiro de 2002 in Observatório das Violências Policiais-SP http://www.ovp-sp.org/indice_tortura.htm. Citamos ainda outras entidades e associações: Centro Santo Dias de Direitos Humanos; Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco – AMAR; Núcleo de Estudo da Violência da USP (NEV); Petronella Boonen – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – DHEP.

 

[13] TAVARES DOS SANTOS, J. V. “A Violência como Dispositivo de Excesso de Poder” in Sociedade e Estado – Violência. UNB. v. 10. nº 2. jul/dez. 1995.

 

[14] RODLEY; BOLÍVAR, in PINHEIRO. opus cit, 2004.

 

[15] Chacina da Favela Jardim Portinari, Diadema (Grande São Paulo) – Mãe e dois filhos jovens são assassinados por um policial militar diante de cerca de 30 pessoas, com a ajuda e a passividade de mais seis colegas. 4 de julho de 2005 in Observatório de violências policiais http://www.ovpsp.org/index.htm;

 

[16] BENEVIDES, M. V. de M. Violência, povo e polícia. Violência Urbana no Cotidiano da Imprensa. São Paulo. 1983; GIDDENS, A. O Estado – Nação e a violência. São Paulo. EDUC. 2001.

 

[17] RODLEY, in: PINHEIRO, Opus cit.

 

[18] “Não obstante a passagem do poder aos civis, em 1985, boa parte do sistema repressivo continuou agindo, como o Sistema Nacional de Informações (SNI) que só seria extinto no governo de Fernando Collor de Melo. A Agência que o sucedeu, a ABIN, (…) não conta com mecanismos sociais de controle efetivo, através do congresso nacional, de suas atividades, e, de tempos em tempos, temos notícias de atividades escusas de espionagem do país”. FICO, C. “Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão” in FERREIRA, J. e NEVES, L. de A.. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins de do século XX. Rio de Janeiro. Civ. Brasileira. 2003.

 

[19] “Manifesto sobre a política de segurança pública”, Coletivo Contra Tortura, publicado em http://www.carceraria.org.br/?system=news&action=read&id=655&eid=40

 

[20] COSTA, A. T. M. Entre a lei e a ordem. Editora Fundação Getúlio Vargas. São Paulo. 2004.

 

[21] Um extenso balanço historiográfico que situa as tendências, abordagens, estudos de “estado da arte” relativos à sociologia da conflitualidade encontramos nos textos de José Vicente Tavares dos Santos. Neste sentido ver, do autor, As conflitualidades como um problema sociológico contemporâneo. In: Revista Sociologias – Dossiê «Conflitualidades». Porto Alegre, PPG-Sociologia do IFCH – UFRGS, Porto Alegre, ano 1, n. 1, janeiro-junho de 1999.

 

[22] Dentre os quais se destaca Luis Eduardo Soares por suas análises e experiências institucionais.

 

[23] PEDROSO, R. C. Os Signos da Opressão. História e Violência nas Prisões Brasileiras. São Paulo. Arquivo do Estado/IMESP. 2003. Violência e Cidadania no Brasil. São Paulo. Ática. 1999.

 

[24] 25 CALIL, G. (CD: Anais do Simpósio Nacional de História (23:2005). Londrina. PR. ANPHU. Editorial Mídia. 2005). CHAUVEAU, A. & TÉTART, P. (orgs.). Questões para a história do presente. Bauru. EDUSC. 1999.

 

[25] “Sindicato de trabalhadores a favor da tortura?”, http://www.ovp-sp.org/artg_angela_sind_febem.htm;

 

[26] Ibidem.

 

[27] BENEVIDES, M. V, op. cit.

 

[28] CHEVIGNY in PINHEIRO, opus cit, 2004.

 

[29] Este termo está aqui sendo utilizado com a conotação policial, isto é, abordagens feitas pela polícia a pessoas, em geral pobres que, gratuitamente, considera suspeitas. Nos bairros pobres são, em geral, violentas, humilhantes, e intimidatórias.

 

[30] O termo enclave é aqui utilizado para indicar permanências de normas, regimentos, decisões, leis definidas por regimes ditatoriais, nos períodos posteriores a estes e com poder de influência significativa na condução do novo governo, mesmo que este seja de cunho democrático. Neste sentido ver: ZAVERUCHA, J. e TEIXEIRA, H. B. “A literatura sobre relações civis-militares no Brasil (1964-2002): uma síntese” in Revista Brasileira de Informações Bibliográficas, nº 55, 1º semestre, 2003. AGGIO, A. O Chile de Lagos: o desafio do novo curso democrático disponível em: http://www.artnet.com.br/~gramsci/arquiv129.htm; FREDEZ, F. F. La constitución chilena de 1980: enclaves autoritarios e cerrojos institucionales. Disponvel em http://www.bibliojuridica.org/libros;

 

[31] BACILA, C. R. “O problema histórico da polícia na América latina” in CHOUKR, F. H. Problemas fundamentais na administração policial brasileira. In http://www.iuscrim.mpg.de/forsch/straf/projekte/Brasilien.pdf;

 

[32] Começam a se manifestar movimentos contra a manutenção destes enclaves ditatoriais, seja organizando-se em entidades que lutam por direitos humanos, sejam através de marchas que começam a ser promovidas em alguns grandes centros urbanos do Brasil, (ex: Marcha Contra a Violência do Estado e das Elites no Rio de Janeiro (16/04/2003), aos gritos de «chega de chacina, polícia assassina». Conforme um dos coordenadores de um destes movimentos, Maurício Campos, ativista da frente popular, «a desigualdade, a concentração de renda, a manutenção do aparato repressivo que foi montado durante em todo esse século e, em particular, durante a ditadura militar, hoje se reflete nessa violência sistemática e na corrupção policial». A manifestação foi organizada pela Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, Movimento Posso Me Identificar. A data foi escolhida em função da proximidade com outros genocídios. Em 16 de abril de 2003, quatro pessoas foram assassinadas pela polícia na comunidade do Borel, no Rio. No dia 17 do mesmo mês, há nove anos atrás, 21 trabalhadores rurais sem terra foram mortos no massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Além disso, no último dia 31, 30 pessoas foram vítimas de chacina promovida por policiais em Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense. Fonte: Centro de Mídia Independente – http://brasil.indymedia.org; 20/04/2005.

 

[33] Da década de 60 à década de 80 a América latina vivenciou mais um longo período ditatorial em continuidade à lógica autoritária que vêm permeando a constituição das nações neste continente desde o século XIX. Tais ditaduras, orquestradas pelo intervencionismo norte-americano, podem ser consideradas abortos revolucionários, dado o caráter das reformas propostas em diferentes países latino americanos, através das intensas mobilizações populares que expressavam as demandas sociais de diferentes teores, como era o caso, por exemplo, das propostas de reformas de base no Brasil.

 

[34] CHASIN, J. “Hasta Cuando? A Propósito das Eleições de Novembro” In RAGO, A. F. “O ardil do politicismo: do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguesa” in Revista Projeto História, O Golpe de 64: 40 anos depois. PUC/SP. Editora EDUC. n° 29. Dezembro. 2004, p. 123.

 

[35] Idem, Ibidem.

 

[36] VIEIRA, V. L. “Educação liberal em estados autocráticos burgueses” in Pro-Posições. vol I. n° I. Março. UNICAMP. Campinas. 2005.

 

[37] Desarquivando o Brasil. http://www.desaparecidospoliticos.org.br;

 

[38] O´DONNELL, G. “Sobre o Estado, a Democratização e Alguns Problemas Conceituais – Uma Visão Latino-americana com uma Rápida Olhada em alguns Países Pós-Comunistas” in Novos Estudos CEBRAP, nº 36. Julho de 1993.

 

[39] CHASIN, opus cit. 2004, p. 8.

 

[40] Durante o século XX, na América Latina e Caribe, vários movimentos expressam estas lutas: a revolução no México de 1910-1954; a Revolução Guatemalteca de 1944 a1954; a Revolução Sandinista 1979, a Revolução Civil com Fiqueires de 1948 na Colômbia, a Revolução Boliviana 1952-1964; a Revolução Cubana 1959. Além das guerrilhas urbanas de El Salvador – 1970, na Nicarágua a Frente Sandinista de Libertação Nacional de 1961 a 1979, o Sendero Luminoso desde 1970 no Peru, guerrilhas de Granada desde 1982, as guerrilhas de 1961-1971 e a do Araguaia no Brasil, os Tupamaros no Uruguai de 1963 a 1984, os Montoneros na Argentina; até os governos militares (ditadura de Somoza 1934-1979 na Nicarágua, as ditaduras intermitentes no Equador até 1978, na Bolívia de 1964 a1982, no Suriname desde 1980, no Peru de 1968-1980, no Chile de Pinochet de 1973-1990, no Brasil de 1930-1945 e de 1964 a 1985, no Uruguai de 1973 a 1985 na Argentina de 1976 a 1983.

 

[41] Ver, por exemplo, alguns textos do Cels/Informe 2005 – Derechos Humanos en Argentina. Buenos Aires, Siglo XXI Editores Argentina, 2005.

 

[42] Conforme Ivan Cotrin, recuperando Chasin: “de forma sumária, temos que ‘a autocracia burguesa institucionalizada é a forma de dominação burguesa em ‘tempos de paz’, o bonapartismo é a forma da dominação burguesa em ‘tempos de guerra’. E na proporção em que, na guerra de classes, a paz e a guerra sucedem-se continuamente, no caso brasileiro, no caso da objetivação do capitalismo pela via colonial, as formas burguesas de dominação política oscilam e se alternam entre diversos graus do bonapartismo e da autocracia burguesa institucionalizada, como toda a nossa história republicana evidencia”; o que expõe com clareza a impossibilidade democrática dessa burguesia. (CHASIN, 2000, 128. In: COTRIM, I. “Imperialismo e via colonial x ‘teoria’ da dependência”. Revista da APROPUC. Dossiê Imperialismo. ano 6. n°20. Abril a Junho. SP. 2004, p. 32.)

 

[43] RAGO, opus cit.

 

[44] MARX, K.. Manifiesto del Partido Comunista. Editora Pluma. Buenos Ayres. 1974, p.65.

 

[45] KRAWCZYK, N. e VIEIRA, V. L. O estado da arte das pesquisas sobre a reforma educacional na década de 1990, na Argentina, Brasil, Chile e México. Relatório de pesquisa apresentado à Fapesp. 2005.

 

[46] Dos Direitos Humanos decantados na “Revolução Burguesa”, da liberdade restringiu-se a liberdade de manifestação dos trabalhadores; os relativos à igualdade só aparecerão no cenário mundial a partir da Constituição de Weimar (1919) e os direitos relativos à solidariedade vinculados à qualidade de vida só passarão a ser discutidos a partir da Segunda Guerra Mundial. Neste sentido ver artigo de VIEIRA, Vera Lucia, publicado na revista Projeto História, n° 31- Américas, dezembro de 2005. São Paulo. EDUC.2005.

 

[47] Analisando a “abertura política encetada a partir de 1984”, Maria Helena Moreira Alves constata que ficava “cada vez mais claro que não existe no Brasil um processo de “transição para a democracia”, mas sim uma tentativa de institucionalização de estruturas de Estado visando ampliar o apoio político e ao mesmo tempo manter o controle básico de classe (…) dado que não ocorreu a necessária ruptura fundamental com as estruturas de controle estabelecidas pelo Estado de Segurança Nacional em decomposição. Não é possível formar mecanismos democráticos paralelos de poder superpostos aos mecanismos estruturais de controle social e político de uma sociedade organizada economicamente em termos de exploração”. A autora situa a processualidade dialética que determina as características das estruturas de coerção características da organização do Estado de Segurança Nacional. Para ela, a “primeira é a tendência a perder o controle do crescimento burocrático, em especial do aparato repressivo, que pôde constituir sua própria base de poder, independente do Executivo. Em segundo lugar, o Estado de Segurança Nacional é incapaz de eliminar completamente a oposição; cada campanha repressiva contra determinado setor da oposição leva ao embate setores até então não envolvidos, que protestam contra o uso da força. Em terceiro lugar, a tentativa de eliminar a oposição pela força ignora as injustiças reais que estão na raiz do conflito; a dissensão não é, assim, eliminada, mas simplesmente transferida de um para outro setor da sociedade civil. Por esta razão, finalmente, o Estado de Segurança Nacional é intrinsecamente instável, tendendo a um crescente isolamento. Em longo prazo, o Estado tende a tornar-se território exclusivo de uma pequena elite que mantém a sociedade civil (e até seus próprios integrantes) sob controle, mediante o recurso cada vez mais freqüente à força física. (…) Esta condição de permanente crise institucional acaba por minar a estabilidade do Estado”. ALVES, M. H. M. Estado e Oposição no Brasil 1964-1984. São Paulo. EDUCS. 2005, pp. 33/390. Também: O’DONNELL, G. Análise do autoritarismo burocrático. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1990.

 

[48] ANTOGNAZZI, I. “Necessidade do enfoque historiográfico para explicar os processos sociais do presente” in Revista Projeto História. n° 29. Tomo I. São Paulo. EDUC. dezembro de 2004.

 

[49] As distensões ditatoriais que se observam nos países latino-americanos ocorrem todas na década de 80: Brasil – movimento diretas já. 1982. Uruguai – plebiscito de 1981 contra o continuísmo da ditadura. Chile – plebiscito de 1981 contra permanência de Pinochet. Argentina – militares cedem lugar ao presidente eleito Raúl Alfonsín.

 

[50] “No Brasil, os militares garantiram sua participação orgânica direta no governo, nos ministérios militares; no Chile a oposição (incluídos o partido comunista e o partido socialista) aceitou governar com base na constituição pinochetista de 1980 e garantir 8 anos de mando de tropa para os comandantes designados por Pinochet; no Peru, a constituinte legislou sob o governo militar de Moráles Bermudez. No Uruguai, o governo civil se baseou no Pacto do clube naval, que garantiu impunidade militar, reforçada em plebiscito, na Argentina, as crises militares forma aproveitadas pelos governos civis para inocentar aos geneticidas militares por meio das leis de ponto final de obediência devida. No Paraguai a mudança de regime nem sequer transcendeu os militares familiares da ditadura, pois o general democrata Andrés Rodríguez, que substituiu a ditadura era parente direto do ditador Stroessner”. COGGIOLA. opus cit. p.95.

 

[51] FERNANDES, F. Nova República? Rio de Janeiro. Editora Zahar. 1986. SALVATORE, R. AGUIRRE, C. and JOSEPH, G. (eds). Crime and Punishment in Latin America. Law and Society Since Colonial Times. Durham. Duke University Press. 2001.

 

[52] No caso do Brasil, apenas para situarmos a última ditadura, desde 1985, “após 02 anos de distensão, a autocracia manifestava-se não somente pela composição entre os principais setores autocráticos, governistas e oposicionistas, realizando politicamente uma verdadeira composição pelo alto, (…) mas também por viabilizar o fim do cesarismo militar sem romper com a institucionalidade autoritária que dava sustentação”. FERNANDES, 1986, p. 22; Apud MACIEL D. A argamassa da ordem. Da ditadura Militar à Nova República (1974-1985). São Paulo. Editora Xamã. 2004, p.319.

 

[53] MACIEL, opus cit, p.319.

 

[54] RAGO, opus cit. Em sua crítica marxista, J. Chasin especifica esse traço ontológico: “Desprovido de energia econômica e por isso mesmo incapaz de promover a malha societária que aglutine organicamente seus habitantes, pela mediação articulada das classes e segmentos, o quadro brasileiro da dominação proprietária é completado cruel e coerentemente pelo exercício autocrático do poder político. Pelo caráter, dinâmica e perspectiva do capital atrófico e de sua (des)ordem social e política, a reiteração da excludência entre evolução nacional e progresso social é sua única lógica, bem como, em verdade, há muito de eufemismo no que concerne à assim designada evolução nacional.” Cf. CHASIN, J. “A sucessão na crise e a crise na esquerda” in A Miséria Brasileira. Santo André. Estudos e Edições Ad Hominem. 2000, p. 221. Grifos nossos. Publicado originalmente em Revista Ensaio 17/18. São Paulo, Editora Ensaio. 1989, p. 49.

 

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Ariadna Tucma Revista Latinoamericana. Nº 8. Marzo 2013 – Febrero 2014. Volumen I

 

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