A política de educação em economia solidária no Brasil:

Desafios e perspectivas *

Telmo Adams **

 

Izquierda. Monumento al cooperativismo. Petropolis. Brasil.


Resumo

 

Desde o ano 2009 o movimento de economia solidária no Brasil conquistou, em fase inicial, uma política pública nacional de educação. Trata-se da organização de seis Centros de Formação em Economia Solidária – CFES (um nacional e os demais em cinco regiões do País). Nossa exposição faz uma sistematização avaliativa desde a experiência do CFES/sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, isto é, sul do Brasil), foco da nossa investigação, como referência para avaliar e analisar os significados e os possíveis rumos dessa política nacional de educação com atores da economia solidária. O que significa tal programa para o avanço da economia solidária num contexto de reestruturação produtiva do capitalismo em países com governos que se apresentaram com propostas socializantes e de redução das desigualdades? Quais os desafios e perspectivas dessa formação no sentido de contribuir para o avanço da economia social e solidária no atual ambiente de metamorfoses do trabalho? Para atender aos mais de dois milhões de trabalhadores e trabalhadoras os programas educativos ora ensaiados apresentam-se tímidos, o que tem a ver com o ambiente de disputas, onde o governo nacional continua refém dos setores econômica e politicamente mais fortes os quais acabam recebendo os maiores investimentos do orçamento nacional. Apresentamos uma reflexão crítica desse programa de educação, com suas potencialidades e limites, no sentido de compreender o processo contraditório da economia solidária no contexto dos movimentos de resistência às “imposições” da lógica do mercado capitalista; e proceder a uma análise sobre a contribuição dos CFES na proposição de uma política pública de educação para a economia solidária.

 

* * *

Introdução (1)

 

Embora a metade da população economicamente ativa brasileira (PEA) esteja na economia não formal (dados Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2011, cf. Kraychete; Carvallho, 2012), os cerca de dois milhões de trabalhadores ligados à economia solidária no Brasil ainda não são reconhecidos como importantes para a economia nacional. Estes trabalhadores integram um conjunto de experiências “desperdiçadas” (Santos, 2004) pela visão hegemônica, e insignificante para os burocratas da alta administração do Estado que valorizam os atores econômicos a partir da sua contribuição no produto interno bruto nacional (PIB). No contexto economicista do mercado capitalista os ricos elementos e sentidos para vida desse crescente contingente da população de nada valem.

Orlando Fals Borda. Sociólogo colombiano nacido en Barranquilla y fallecido en Bogotá.  (1925-2008)


As práticas de geração de trabalho e renda, designadas por projetos alternativos comunitários, foram desenvolvidos pela Cáritas Brasileira, a partir de 1985 e passaram a integrar a chamada economia solidária ou economia popular solidária somente na segunda metade da década de 1990. Enquanto campo de pesquisa, estas iniciativas populares foram estudadas por Luiz Razeto (1990 e 1999), na década de 1980, no Chile. Suas pesquisas sobre as organizações econômicas populares (OEPs) têm sido base da reflexão teórica do conjunto dos autores brasileiros desse diversificado campo da economia solidária. Já dizia o pesquisador chileno, que estas organizações e, mais amplamente, as de caráter solidário e alternativo incluem

“uma parte desse mundo popular que se encontra excluído ou marginalizado do mercado formal e das possibilidades de acesso às políticas redistributivas do Estado” (Razeto, 1990, p. 176).

 

A reemergência da economia popular solidária no Brasil e América Latina ocorreu no contexto da reestruturação produtiva do capital que resultou em profundas mudanças no mundo do trabalho. O termo reemergência, e não emergência, ou reinvenção e não invenção está a indicar que sempre houve formas econômicas baseadas no princípio da solidariedade no decorrer da história; seja a experiência dos povos originários da nossa América, como as formas de resistência dos afro-descendentes, entre elas as comunidades quilombolas ainda remanescentes (Adams, 2010); ou então, o cooperativismo institucionalizado que surgiu na Europa no Sec. XIX e para cá trazido com os migrantes alemães e italianos, agora em processo de recriação pela economia solidária.

 

Fals Borda (1972) concluiu que o cooperativismo, de estilo europeu, teve mais êxito no sul do Brasil e na Argentina, onde os próprios imigrantes foram os transplantadores. Nos demais países, a transferência dos modelos de Rochdale da Inglaterra – cooperativismo de consumo urbano trazido para o ambiente rural e cooperativismo de poupança e crédito, do tipo Reiffeisen da Alemanha – teve pouco êxito. De acordo com Fals Borda (1972) o sistema cooperativista, da forma como foi trazido da Europa para a América Latina, não foi incorporado pelas culturas ameríndias e africanas, que continuavam com suas práticas tradicionais de reciprocidade e cooperação. O cooperativismo nesse sentido ficou atrelado ao processo mais amplo de colonialismo cultural. Nesse sentido, a economia solidária pretendeu, desde os anos de 1980, trilhar o caminho da reinvenção que traz no seu bojo uma crítica ao cooperativismo tradicional como experiência artificialmente transferida da Europa para a América Latina (Adams, 2010).

 

Contudo, vale considerar que o cooperativismo significou, por um lado, uma resistência à hegemonia capitalista; e por outro, acabou sendo incorporado às respostas compensatórias sem perspectiva de superar a subalternidade perante a lógica dominante. Desde a perspectiva ideológica, tem sido reconhecido, sobretudo no ambiente da economia solidária, como instrumento capaz de alimentar a alternatividade utópica, seja como forma de organização no socialismo ou como alternativa distinta, tanto do capitalismo quanto do modelo socialista (Namorado, 2009).

 

Tais formas ambivalentes de compreensão continuam hoje presentes na economia solidária (ou economia social): para uns ela significa uma experiência com potencial de germinar um novo desenvolvimento com sustentabilidade socioambiental; para outros, um instrumento de inclusão social, de expansão de políticas compensatórias, em última análise, serviçal à reestruturação do mercado capitalista (Tavares, 2004).

Contudo, o movimento de economia solidária no Brasil tem se colocado majoritariamente dentro da proposta de retomada do cooperativismo original, de caráter autogestionário e emancipatório como retomada criativa de resistência frente à degradação social e ambiental do desenvolvimento capitalista. Segundo essa compreensão, as necessidades materiais geradas pelas tendências atuais de reestruturação do capitalismo e o consequente comportamento da realidade tem contribuído para levar os trabalhadores e trabalhadoras por esse caminho da reciprocidade. A reapropriação do controle do seu trabalho significa para os mesmos a possibilidade de retomar seu processo de emancipação. Nesse sentido, a organização do trabalho cooperativo tem sido vista como um dos possíveis caminhos de organização dentro das tendências das metamorfoses do mundo do trabalho (Antunes, 2009).

 

Na visão hegemônica das organizações sindicais até final dos anos 1980, as ações coletivas eram reconhecidas como mera forma de mitigar problemas locais, sem capacidade de interferência nas mudanças estruturais, portanto, sem contribuição para a transformação social. Essa visão passou a mudar gradativamente a partir dos anos 1990 com a generalização do desemprego estrutural nos países da América Latina (Tiriba, 2001), quando os sindicatos, ao invés de lutar por melhores salários e condições de trabalho, obrigaram-se a negociar com os empresários a manutenção de postos de trabalho a quaisquer condições.

 

Nesse mesmo período histórico, inúmeros educadores e educadoras populares, ligados ou não a instituições (organizações não-governamentais ou governamentais), ousaram desvendar o tabu da dicotomia entre as ações da vida cotidiana de (re) produção da vida e as lutas políticas mais amplas. Passaram a compreender a possibilidade de potencializar processos educativos na dinâmica das relações nos diferentes espaços da vida social. Dessa forma, um crescente número de organizações e movimentos sociais populares passou a compreender a importância de ocupar também espaços na economia, e não somente no campo da ação social e política, dentro da visão estratégica de tomada do poder do Estado. E, assim, as práticas socioeconômicas solidárias foram gradativamente compreendidas como componente importante da luta dos movimentos sociais para a melhoria das condições de vida, assumindo a perspectiva mais integral da vida individual e social. Na perspectiva da educação, fortaleceu-se a valorização do componente da produção e reprodução da vida material na interação com diversos princípios organizativos, econômicos, éticos, políticos, culturais, produtivos, espirituais, e outros.

 

Foi nessa caminhada cheio de tensões que o movimento de ECOSOL foi esboçando, na prática educativa desenvolvida e na reflexão sobre a mesma, uma proposta de política pública em construção no Brasil. Pode-se afirmar que a reinvenção da economia popular solidária constituiu-se através de um metódico e gradativo trabalho educativo para superar o senso comum de rejeição ao cooperativismo tradicional, cujo mérito não se deve apenas ao esforço dos próprios desempregados e marginalizados do modelo de produção capitalista. Esse processo foi e continua sendo animado por educadores, pesquisadores de instituições universitárias, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos, movimentos sociais, entidades religiosas.

 

O processo de articulação do movimento de economia popular solidária consolidou-se em 2001, no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, Brasil. Através da constituição de um Grupo de Trabalho (GT) encaminhou a realização da I Plenária Nacional da Economia Solidária, ocorrida em 2002. Um dos resultados foi a carta com propostas de políticas públicas para ECOSOL no Brasil encaminhada ao candidato à presidência da época, Luiz Inácio Lula da Silva. Após a sua eleição, o governo Lula assumiu o compromisso da criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES – órgão do Ministério do Trabalho e Emprego), durante a II Plenária Nacional de Economia Solidária realizada durante o FSM daquele ano.  Em seguida, com a participação de mais de 800 participantes de 18 estados da federação a III Plenária Nacional (2003) cria o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), organização representativa dos diversos atores / sujeitos da Economia Solidária no país. Este tem por finalidade articular e mobilizar o movimento de ECOSOL em torno de uma carta de princípios e uma plataforma de lutas aprovada nessa plenária. Cada Estado da federação passou a organizar igualmente seu fórum estadual de ECOSOL constituído por representantes de empreendimentos solidários, entidades de apoio e gestores públicos.

 

Como síntese das proposições de políticas públicas, podemos destacar que a economia solidária visa a: um desenvolvimento integral, onde sustentabilidade, justiça econômica, social, cultural e ambiental estão diretamente ligadas e estabelecem uma interdependência; um movimento que exige um Estado democrático que defende os direitos dos trabalhadores cada vez mais enfraquecidos pelas políticas neoliberais; um estado democrático capaz de desenvolver, em diálogo com a sociedade, políticas públicas que fortalecem a democracia participativa, a democratização dos fundos públicos e dos benefícios do desenvolvimento.

 

A III Plenária Nacional propôs, ainda, sete eixos que compõe a plataforma de ECOSOL: finanças solidárias; marcos legais; educação; comunicação; redes de produção, comercialização e consumo; democratização do conhecimento e tecnologia; organização social da ECOSOL.

 

Para a presente reflexão vamos nos deter na retomada do eixo da “Educação” que foi trabalhado na IV Plenária Nacional, cujo processo ocorreu durante dois anos e culminou em 2008. As políticas públicas propostas são basicamente:

 

a)      Realizar ações de formação junto a trabalhadores e trabalhadoras da economia popular solidária;

b)      Articular e fomentar a rede de educadores/ formadores;

c)      Ampliar o financiamento público a pesquisas e tecnologias para a melhoria da produção.

 

Para viabilizar tais propostas indicou-se que o Estado deveria garantir recursos permanentes para os processos formativos continuados, bem como assegurar a sua universalização. Além disso, precisaria articular os processos formativos com outras políticas de formação, educação e ciência e tecnologia tais como: escolarização regular, educação de jovens e adultos, ensino profissionalizante entre outros (Tiriba; Fischer, 2012). Necessitaria valorizar igualmente outras políticas de fortalecimento da ECOSOL como, por exemplo, crédito orientado, assistência técnica, questões relacionadas à comercialização, consumo, desenvolvimento local, agricultura familiar, meio ambiente, etc. E por fim, propunha a garantia de processos democráticos com a participação ativa dos atores / sujeitos da ECOSOL nos processos de decisão.

 

Os CFES implantados a partir de 2007, em cinco grandes regiões do país (CFES Sul, Norte, Nordeste, Sudeste e Centroeste) e um de âmbito nacional (Brasília) com a finalidade de articulação do todo, como um projeto de política pública da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). Sua efetivação decorreu de uma das demandas do movimento de economia solidária que há muito vem sendo construída a partir dos indicativos apontados pelos diferentes atores envolvidos. Estes foram dando a tônica do que se esperava de uma política de educação em economia solidária através de indicativos que apontavam para a necessidade estratégica de trazer a educação, em suas múltiplas facetas, para dentro do movimento de economia solidária. A finalidade desses Centros era realizar a formação de educadores / formadores, a sistematização das experiências educativas e a disseminação de metodologias de educação popular e autogestão pedagógica. Deveriam ser um espaço específico para a preparação de educadores capazes de atuar em empreendimentos solidários e assim fortalecer o movimento como um todo. O objetivo é assegurar formação, capacitação e assistência técnica adequada às características organizacionais dos empreendimentos e práticas de economia solidária.

 

A metodologia assumida pelo CFES sul partiu dos mesmos princípios da educação popular: levou em conta a realidade do “educando”, valorizando o espaço de trabalho como ambiente de aprendizagem. Concebendo a educação como ato político mediador de caráter transformador da realidade social e individual, destacou a proposta metodológica da pedagogia da autogestão / autogestão da pedagogia, incluindo cursos de 3 a 5 dias, com duas ou mais etapas; e processos de formação realizados nos ambientes de trabalho. As atividades de formação foram realizadas com trabalhadores e trabalhadoras de empreendimentos solidários representantes de entidades de apoio e fomento e gestores públicos. Em síntese, a proposta enfatiza a potencialidade educadora da pedagogia da autogestão compreendendo que a economia solidária constitui-se uma experiência local, com potencial estratégico para generalizar-se na sociedade (Wirth et al, 2011).

 

Com base na experiência do CFES sul, que com variações foi também desenvolvida nos outros CFES, referendou-se a proposta de continuidade de uma política pública de formação que contribua para fortalecer o movimento de economia solidária por meio da ampliação do número de formadores / educadores. Estes tem o papel de multiplicar os processos educativos junto aos empreendimentos; desenvolver e sistematizar metodologias e conteúdos de formação em ECOSOL; produzir e disseminar materiais metodológicos e informativos ligados ao movimento de ECOSOL; entre outros. Na perspectiva estratégica, a formação realizada no CFES corresponde a uma “construção social”, na medida em que seus princípios, métodos e aprendizados sugerem um novo desenvolvimento através de trabalhos autogestionários, da busca pela sustentabilidade, uso da democracia no local de trabalho e transformações na interação social (dentro e fora do mesmo).

 

Nesse sentido a educação em economia solidária centra-se tanto no conhecimento ético-político quanto técnico-produtivo. Contudo, os conteúdos trabalhados em cada CFES não são padronizados visto que em cada um deles, devem ser trabalhadas as diversidades culturais, as vivencias e experiências de cada grupo social no qual a economia solidária local se insere. Entretanto, todos eles seguem a mesma linha de pensamento assumindo alguns eixos temáticos orientadores:

 

a)      História e perspectivas do trabalho emancipatório nos rumos das transformações societárias.

b)      Constituição e organização da ECOSOL.

c)      Gestão dos Empreendimentos Econômicos Solidários.

d)      Processos de cooperação e comércio justo e solidário.

e)      Marco Jurídico da Economia Solidária.

f)       Políticas públicas, participação cidadã e controle social.

g)      Desenvolvimento local e territorial sustentável.

h)      Outros temas e conteúdos (de acordo com a demanda dos empreendimentos).

 

Além disso, a política de formação propõe a articulação com a educação formal, destacando a inclusão de conceitos de economia solidária na educação formal, problematizando o desenvolvimento capitalista e contribuindo para a criação de um novo modelo de sociedade; o estímulo aos trabalhadores associados a estudarem e se alfabetizarem na escola formal; a valorização da extensão universitária para fomentar a pesquisa e a formação, inclusive o estudo formal técnico. Isso exige da política pública de educação em economia solidária a garantia de programas e ações governamentais que possam permitir um processo continuado, superando práticas formativas fragmentadas e pouco abrangentes. Tais ideias foram ratificadas pelas diferentes instâncias de organização da ECOSOL – Plenárias, Oficinas, Conferências – tendo como forte referência a experiência desenvolvida pelos CFES. As propostas de continuidade enfatizam:

 

– a importância de investir recursos públicos em quantidade suficiente e condições de acessibilidade;

 

– privilegiar a autogestão no processo educativo, bem como uma dinâmica horizontal entre os diferentes atores da economia solidária;

 

– valorizar no processo oficinas, encontros, redes, feiras, movimentos sociais, fóruns, etc., sendo que os espaços físicos devem ser diferenciados considerando a metodologia proposta;

 

– consolidar e fortalecer uma Rede de Formadores em economia solidária.

 

 

Conforme o relatório da IV Plenária Nacional,

 

«A formação técnica deve promover autonomia e emancipação do/a trabalhador/a com vista a superar o trabalho alienado e a divisão sexual do trabalho, fortalecendo cada vez mais suas identidades e incluindo o aumento da escolarização dos/as trabalhadores/as em todos os níveis. (…) Uma formação em economia solidária é caracterizada como uma das estratégias para o desenvolvimento sustentável de um novo tecido social por meio da educação em todos os níveis. (FBES, 2008. p. 21)

 

Aparece no texto destacado claramente a articulação entre assessoria técnica e uma educação continuada no aspecto ético político. Tal proposta propunha uma educação política através da metodologia da educação popular, na interação com a formação técnica, valorizando os espaços de escolarização oferecidos pela rede regular do sistema de ensino brasileiro. Afirmou orientações para uma educação contextualizada, emancipatória e engajada que parta das práticas e considere as diversidades de gênero, etnia, raça e geração e promova os direitos humanos. A perspectiva é desenvolver um olhar crítico da sociedade para promover transformações nos sujeitos e na realidade, rompendo com as desigualdades, incentivando a participação política e social. Para tanto propõe, ainda, valorizar e promover o uso dos recursos da cultura e saberes populares locais, além de trabalhar as diversidades de linguagens e a transversalidade de temas, garantindo que os próprios trabalhadores e trabalhadoras possam ser também educadores capazes de articular conhecimentos científicos e empíricos.

 

Percebe-se que, além de algumas diferenças conceituais, avançaram os debates em torno da educação numa perspectiva de qualificar o processo a economia solidária, tendo a educação popular como estratégia para um projeto de sociedade que compreende outro desenvolvimento, relações sociais de trabalho diferenciadas de respeito a todas as esferas sociais e ambientais para uma reprodução ampliada da vida e não do capital. A Conferência Temática (2010) retomou a relação estreita e intrínseca entre educação ético-política e assessoria técnica reafirmando a mesma como uma “construção social, que envolve uma diversidade de sujeitos e ações orientados para a promoção do desenvolvimento sustentável que considera as dimensões econômica, ambiental, cultural, social e política”.

 

 

Algumas considerações finais

 

 

O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), órgão de representação nacional desse movimento no Brasil coordenou a elaboração de propostas educativas para a economia solidária, em diálogo com a SENAES composta por gestores públicos anteriormente militantes e apoiadores do movimento.

 

 

São muitos os desafios da política de educação em Economia Solidária no contexto da atual organização estrutural do Estado brasileiro. Depois da consolidação dos CFES em 2009 e 2010, o debate sobre a educação em economia solidária e sobre a política pública continuou, seja no âmbito local, bem como em eventos nacionais (CFES Nacional, 2009, 2010a, 2010b) promovidos ao final do governo Lula e início do governo de Dilma Rousseff. Os processos de avaliação em andamento dão conta de que houve significativas conquistas no governo Lula, mas que não foram suficientes para tirar a economia solidária de um âmbito marginal em relação à economia hegemônica. E a expectativa de construir uma política mais consistente no novo governo que se avizinhava era uma esperança do movimento de economia solidária, mas que também não se confirmou. Ao contrário, o sentimento tem sido de retrocesso no que tange à concepção e projeto político da economia solidária. Em vez de ser reconhecido na perspectiva de um outro desenvolvimento, o atual governo a vê unicamente como uma estratégia de enfrentamento à fome e à miséria, isto é, como política compensatória de inclusão social, sem mexer no atual modelo de desenvolvimento excludente de essência neoliberal.

 

Nesse sentido, a proposta do governo de Rousseff propôs anexar a Secretaria de Economia Solidária a um possível novo Ministério de Micro e Pequenas Empresas, mas que não se efetivou. A Secretaria continua vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mas os recursos estão orçados dentro dos programas de combate à fome e à miséria do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Resumindo, os recursos voltados para a economia solidária, e os especificamente voltados para a educação permaneceram sem alteração em termos quantitativos. A continuidade dos CFES deverá ser financiada a partir de programas de inclusão social do MDS, sem nenhuma vinculação explícita com a questão de desenvolvimento econômico e social. Consequentemente, segue a divergência entre a perspectiva pragmática, própria da lógica governamental, e a proposta política mais ampla defendida pelo movimento de economia solidária de modo geral. Apesar desses limites, o movimento deverá apostar na continuidade dos CFES como processo estratégico de manter acesa a luta por uma política estruturante para a Economia Solidária no Brasil, coerente com a proposta de construção de um novo desenvolvimento solidário e sustentável para todos os brasileiros e brasileiras. Entre os desafios está em trabalhar a mediação entre educação ético-política e técnico-produtiva no sentido de avançar em relação ao projeto político proposto pelo movimento de economia solidária e a sustentabilidade do trabalho autogestionário.

 

Referências

 

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CFES Nacional.  Seminário Nacional de Assistência Técnica para a Economia Solidária – registros para a memória.  Brasília, 2009, en  http://cirandas.net/cfes-nacional/seminario-assistecnica.pdf

 

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______. Documento Final da Conferência Temática de Formação e Assessoria Técnica. Brasília, 2010b. Disponível en  http://cirandas.net/cfes-nacional/conferencia-formacao-assistencia.pdf

 

FBES. Relatório Final IV Plenária Nacional de Economia Solidária. Brasília, 2008, en http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=379&Itemid=216

 

Kraychete, Gabriel; Carvalho, Patricia (orgs.), Economia popular solidária: indicadores para a sustentabilidade, Porto Alegre, Tomo Editorial, 2012.

 

Namorado, Rui, “Cooperativismo”, en Hespanha, Pedro et al (orgs.) Dicionário internacional da outra economia, Coimbra, CES / Gráfica de Coimbra, 2009, pp. 96-102.

 

Santos, Boaventura de Sousa, “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências”, en ______ (Org.) Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo, Cortez, 2004, pp.777-819.

 

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Tavares, Maria Augusta, Os fios (in)visíveis da produção capitalista: Informalidade e precarização do trabalho. São Paulo: Cortez, 2004.

 

Tiriba, Lia, Economia popular e cultura do trabalho: Pedagogia(s) da produção associada. Ijuí, RS: Editora Unijuí, 2001 (Coleção Fronteiras da Educação).

 

________; Fischer, Clara Bueno, O trabalho associado e autogestionário na educação de jovens e adultos. Caderno 1 – 2012, en http://incubadoraecosol.wordpress.com/cadernos-eja-ecosol/

 

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São Leopoldo, agosto de 2012.

 

NOTAS

* El presente trabajo ha sido presentado en el Congreso Internacional de Asociación de Historiadores  Latinoamericanos y del Caribe (ADHILAC) y III Jornadas de Historia DEL Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini: La economía social y solidaria en la historia de América Latina y el Caribe. Cooperativismo, desarrollo comunitario y Estado, Buenos Aires.  24 a 26 de septiembre.  2012.

 

** Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Brasil – Programa de Pós-Graduação em Educação.

 

(1) Trabalho resultante de pesquisa apoiada por CNPQ. Bolsistas de iniciação científica Joana Frank (UNIBIC) e Marina da Rocha (PRATIC).

 

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